_sobre este livro
As delicadezas wladimirianas escorrem contracorrente. Já começam em forma de pássaros, animais sonoros, voadores, miméticos, íntimos da natureza delicada. Sob a musicalidade do S e do R de pássaros, saboreamos “Ossos ciscam, / saltitam silentes”, para pequenos pássaros que visitam a terra, e provamos “Do outro lado, / ronca o tucano, / negras asas ruflam”, para que a presença preguiçosa da ave surja dentro do nosso ânimo. E as páginas e os versos seguem contemplativos na delicada construção de imagens por meio dos sons do pica-pau e do eco da cisterna, por meio da paisagem que as palavras compõem em um opaco enigma que conduz à liberdade, por meio da solução minimalista e reflexiva dos haicais que, na brevidade, oferecem a calma brancura do que resta na página. Brancura ressaltada até pela delicadeza do vermelho das árvores com acerolas no Natal tropical — pleno verão suavizado pelos três versos.
A intertextualidade é outro assunto delicado na pena do autor. Em “Memória”, a fé cega na poesia é equilibrada “no pó do tempo e das palavras” por imposição edípica, necessidade de conhecer o desejo que move o ser e obriga a decifrar para não ser devorado: “mistérios do mundo”. Em “Quadrilha”, rende homenagem ao mestre Drummond. E esse sapo (do Bandeira?) que destoa a paz da noite e martela os sonhos, seria ele, “estranho na noite”, junto com a “rapina da noite”, formas para o estranho freudiano versejado pelo Wladimir psicólogo?
A delicadeza da voz autobiográfica manifesta-se em diversos tons quase silentes. Amores, desesperança e trabalho vagueiam, mas também estão condensados. O compromisso com a agrofloresta e com a sustentabilidade, trabalho de braço e coração, está no espanto com a “primavera árida” e seus sons que permitem propor a salvação da terra por baixo das folhas secas. Adiante, mesmo sem chuva, brota a memória da natureza; no galho seco, a esperança verdeja no canto do pássaro. “Verde verso amar”. Então chegam flores amarelas pontilhando a primavera com águas. Em contraste, o gesto delicado pode vir irônico ao se descrever o bairro de Lourdes, onde mora o autor. E a delicadeza do encanto com o corpo humano tem tez e vez. Além dos ossos dos pássaros, intuídos na delicadeza da arquitetura da vida minúscula e mimética, os ossos humanos da mulher encantadora não permitem desvelar sua delicadeza, ainda que sustentem a carne em que pulsa em curvas o desejo de quem a vislumbra.
Bernardo Monteiro de Castro