_sobre este livro
Personificamos tantas vezes essa terra escura, essa terra seca e quieta, estendida num tempo que nunca há de caber em relógios ou calendários. Somos tantas vezes esse território onde está o tudo que só o nada pode conter. Que podem os olhos saber duma paisagem assim? Que podem fazer o sangue e a pele, que podem as vozes construir para despertar um mundo assim, para o revelar, para o trazer ao mundo? Que ossos é preciso cuidar de ter para suportar um peso assim, um equilíbrio assim, uma perfeição assim do tamanho duma borboleta, ou do sopro certeiro dum vento? É hercúleo o trabalho do poeta: ligar o visível ao invisível, redesenhar o bem e o mal, escolher as linhas e os traços, meticulosamente, até tudo se tornar vida, esta vida, uma vida. E ler tudo isso, fluentemente, como se fosse água, a água que tudo ocupa, que toma os mais ínfimos espaços e que corre, que corre até à sede de alguma coisa ou de alguém.
Que beleza ir buscar aos séculos (todos os séculos são remotos, como a verdade) a explicação deste momento, deste segundo, que a tropeçar no coração ou no olhar, cai sempre num gesto que se revela ou se esconde, num papel, numa tela, num muro, numa confissão que é preciso fazer aos outros, que é preciso trazer para o lado em que nós próprios existimos como outros, porque «tudo o que temos são trapos fervidos» e é com eles que «desafogamos o mercúrio» da nossa mortalidade.
Às vezes uma palavra é um mapa. É o itinerário dum corpo, «uma bússola desesperada» que nos aspira centripetamente para a retorta do amor, transformando a terra escura, seca e quieta num frenesim de fendas e de rasgões por onde toda a loucura das sementes pode enfim extravasar. Como este livro. Um poeta nunca dá um nó que não possa desatar. Augusto Meneghin
Gil T. Sousa