Renato Melo, em seu Íntimo das aves, nos apresenta uma obra poética cujo lirismo evidencia a força profética em cada poema. O eu lírico, meditativo e resiliente, professa e profetiza o Verbo para o mundo — ou mundos? —, numa despretensiosa busca “Sem qualquer/ desperdício de tempo”: “Não me ressenti,/ nesse parto quase sem dor, foi assim que nasci — poeta”.
De cunho reflexivo, dividido em três seções (“Voo cego”, “Âmbito” e “Pouso e migração”), Íntimo das aves é um livro que traz o brilho epifânico e o alívio que a catarse proporciona. Uma obra cristalina, que descortina o existencial do que resiste; o que é intrínseco ao Ser: “É quase uma dança, subir é preciso. O caminho não muda,/ ser é se tornar”. Eis uma obra que distingue-se pela beleza da poesia; o belo harmoniza-se entre as palavras, as imagens, o não-dito e as entrelinhas: o belo da estranheza ao colher a novidade e “sem dela exigir alento ou qualquer/ explicação”.
Em tempos de modismos e de versos que “desdenham ao entardecer o nome e a forma da flor”, Renato Melo, com este Íntimo das aves, nos presenteia com uma obra inspiradora, fruto de indagações, silêncios e da contemplação do viver, onde o “eu estoico”, habitante do eu lírico, busca “Paz imensa mesmo ante os transtornos do mundo”.
Ao término da leitura de Íntimo das aves, aliás, a cada releitura do livro, tive a sensação de elevação do espírito, como o voo das aves, onde do alto é possível ver e perceber o Todo, o si-mesmo, quando nos distanciamos. No mais, “Deixemos que os filamentos do sol expliquem/melhor as coisas”.
Francisco Gomes