Competição e individualismo ou laço social? Mais que uma mera provocação, sua resposta demarca ontologicamente duas formas de estar no mundo: uma neoliberal, outra indígena. A primeira nos é familiar, a experienciamos cotidianamente, está longa e detidamente analisada por uma tradição crítica. A segunda, contudo, é exterminada e tornada infamiliar por um projeto do capital. Se o capitalismo nos força à primeira opção, a segunda, consequentemente, torna-se resistência.
A psicanálise, ao ser colocada essa escolha, parece ter um movimento contraditório. Por um lado, ao rotular certos povos de primitivos por não se conformarem a uma ideia de produtividade capitalista, contribui para sua exclusão e extermínio. Por outro lado, a psicanálise aproxima-se, em suas teorizações e manejos clínicos, da vivência destes mesmos povos. Argumentamos que, partindo de certa chave de leitura, enfatizando noções como infamiliar, indeterminação e contingência, a psicanálise nos parece mais próxima do modo de vida ameríndio do que do neoliberal.
Krenak, tomando como exemplo seringueiros, nos ensina que não é o homem que civiliza a natureza, mas o contrário. Civilizar, nesse sentido, é produzir e ampliar laços sociais, inclusive com a floresta. Tomamos como horizonte de emancipação justamente essa maneira ameríndia de estar no mundo com seus laços sociais ampliados, a qual Viveiros de Castro pensa como perspectivismo.
Nosso propósito é, assim, contrapor a maneira com que se forjam laços sociais no capitalismo com a dos povos indígenas, perguntando-nos o papel da psicanálise nessa oposição e como, a partir dessa dialética, é possível produzir resistências ao adoecedor modo de vida neoliberal.