Este livro surgiu de um retorno ao poema. Após um período considerável sem escrever, comecei o exercício de escrever todos os dias, sem saber muito bem para onde ir. Assim, nos idos de março e abril de 2023, as formas do livro foram se revelando dessa prática.
Rapidamente ele se mostrou como um exercício da busca do Outro, do próximo, o que por si só também se desmembrou em três vertentes. “O Outro: poema”, que o nomeia, é o encontro com o texto em si, ou a percepção da atividade poética como essa tentativa de captura do próximo verso, que será sempre melhor que o atual. “Outros: incêndios” é o encontro com o outro igual e tão diferente no amor, na família, as relações em que o outro é o produto da combustão do “eu” comburente com o “outro”, combustível, o que pode queimar em desejo ou destruição. Por fim, “Outros: naufrágios” é a água que apaga o fogo, mas também revela formas e caminhos. A água é a imagem espelhada do Outro em que me vejo, ou seja, o seu ideal baseado na minha perspectiva, que se desfaz no mergulho. Como não sei nadar, a água é também o meu naufrágio, a minha tontura e o meu impossível. O outro: naufrágio é aqui a utopia, para onde ir.
A primeira parte do livro, “mise en place”, é justamente esse preparo dos ingredientes e dessa forma sinuosa pela qual chego ao poema, muito derivada da topografia dos morros e pastos de onde vim e que muito habita meu imaginário e meu raciocínio em rodeios. Por isso, também, tantos espaços entre as palavras, tantos itálicos, na tentativa de colocar cada ingrediente na sua ordem e posição ideal para que crie a imagem sonora e o ritmo que projetei para a sua apresentação final no prato.
A segunda parte permeia as combustões e explosões que surgem da relação com o Outro. Na relação com o Outro, como indivíduo, é onde o Eu se cria e se fragmenta. É no elemento primitivo da metamorfose da matéria, que é o fogo, que esse Eu se molda. Nessa parte incendiária, caminho pelos efeitos do Outro na concepção do indivíduo: Eu (lírico).
Por fim, o navio precisa partir. A terceira parte é a apresentação desse produto aquoso e disforme do Outro, diante da água. A presença frágil desse Outro que nasceu, como nós nascemos tão frágeis do líquido que nos moldou. É uma elaboração cristalina final dessa turbulência que é nascer. Espero não ter notícias do naufrágio.