Doze anos depois de ter sido expulso, o autor retorna à casa do pai e nota sua ausência nas fotografias da família. Na sala, o Sagrado Coração de Jesus continua como um grande vigia dos gestos. Finalmente anistiado, barganha o perdão em troca de ter de volta: o corpo e a voz. Do quintal, escuta um choro primal com terra na boca, e surpreende-se ao encontrar a si ainda criança ensaiando no escuro de uma cova rasa a própria extinção. Movido pela crença da ressurreição, propõe a repatriação de si na própria história. Se Hilda Hilst e Paul B. Preciado tivessem um filho, seria Rosamenininho. O livro nasce do manifesto; a criança viada toma consciência de forma tardia e recupera os limites que, antes inexistentes, tornavam seu corpo um rio sem nome, deslegítimo e indesejado. Aqui o sonho é uma breve segunda vida, tem sua própria cosmogonia, explica a origem do universo a partir da transa de duas estrelas lésbicas. Seus homens delicados são peixes corvinas e estátuas de barro. Os mais silenciosos, ruminantes hipopótamos. O futuro existe porque definitivamente este desmunhecou. E, para quem ousar imaginar final trágico para as afeminadas, trago o “felizes para sempre”, empurrando de vez o dedo no olho do armário. Na companhia de Foucault, Rilke, Clarice, Conceição Evaristo, Preciado, Buttler, Beckett, Vanusa, Paulo Freire, Christiane Torloni, Xuxa, Rouge, Kafka Didier Eribon, São Sebastião, Santo Antônio, Maria Padilha, Nanã de Buruque, Nelson Rodrigues, Jung, Freud, Jesus Cristo, Dona Rute e todos os gays que não se beijaram no fim da novela América, uni-vos. Ao final desta jornada — dividida em três partes: infância, adolescência e vida adulta —, quem é cis vira trans, quem é trans vira Deus, quem é Deus vira jacaré, e quem é jacaré deita na lama e espera com a boca aberta a salvação das espécies. Num mundo onde tudo é performance, a bicha que souber a coreografia de Ragatanga já pode tirar sua carteirinha Rosamenininho.