Logo na epígrafe de seu mais novo livro de poemas, A aurora no bocejo de um tilacino, Francisco Gomes sinaliza, com uma citação de Jorge de Lima, que trabalhará com a metáfora da metáfora: “Não procureis qualquer nexo naquilo que os poetas pronunciam acordados”.
Assim como o vate de “Invenção de Orfeu”, Francisco Gomes, em versos esfíngicos, canta o ansioso caos interior e o sentimento agônico do ser, num mundo que não é mais dele, porquanto o inventivo poeta, bem ao contrário da poesia hodierna que se quer social, transcende a temática meramente social e foca seu discurso na epifania do verbo no instante intuitivo.
Desses bardos quase não os temos no tempo presente. Daí o recurso à metáfora do tilacino, um marsupial da Tasmânia — o maior de que se tem notícia — hoje extinto, bocejando seus assombros e miasmas na aurora de um mundo imemorial.
Para percorrer esse bocejo, Francisco Gomes é erudito, mas não pernóstico, invocando vários ícones da cultura universal em seu processo dialógico de construção poética, mas sempre no sentido de escavacar o cerne do ser, em suas ansiedades e agonias, de modo a impor um mínimo de ordem nesse caos anímico e mental.
Se ele consegue pôr rédeas ao indomável e ao desconhecido, é um caminho que deve ser palmilhado pelos leitores deste livro inconsútil, no sentido de que deve ser lido como sendo um poema inteiro, ao estilo das epopeias. Somente assim poderemos (ou não, mas pelo menos teremos tentado) “(…) alcançar o mais alto galho/da árvore frondosa de Robert Frosty/abrir os braços para o céu/gritar o mais alto possível/para o sol/gritar para o mundo/gritar para si mesmo/para muitos/e poucos..…/Gritar sem medo ou pecado/Ainda há vida nos destroços das ruínas!”.
Regis de Moraes Marinho