La poesía es conocimiento, salvación, poder, abandono. Operación capaz de cambiar al mundo, la actividad poética es revolucinaria por naturaleza; ejercicio espiritual, es un método de liberación interior
Octavio Paz
Mover-se em direção ao poema é atrever-se ao conjecturar de imagens, sons, semioses e universos através da palavra. Os poemas em Estilhaços instauram as tensões e os diálogos de quem não se move neste mundo completamente absorto. Allan nos revela seu olhar atento sobre o caos das estruturas sociais, as relações humanas, o amor, a religião e o fazer artístico.
A poética interrogativa em Estilhaços é elemento estruturador do exercício poético imprescindível ao fazer artístico, à literatura, à vida. Há que se fazer sentir, há que se buscar mover no outro aquilo que nos deslumbra, desperta, bestifica, revolta, faz ressentir, ecoar. A escrita de Allan vem inundada por Brasis, por dores antigas, amarguras, esperanças e, sobretudo, pela sutileza de quem consegue capturar um instante cotidiano e emoldurá-lo no poema antes que o objeto esmaeça no transcorrer farfalhante dos dias.
Estilhaços é uma obra perpassada também pelas veredas travadas no verso, sem a pretensão de bordar rima ou de reivindicar para si qualquer verniz que possa sobredourar a alcunha de ‘poeta’. Afinal, poeta se forja mesmo é na lida e na teimosia de perseguir a palavra — esse nascedouro que a humanidade faz verter em dicotomias, miragens e materialidades.
No Brasil escrever é um ato de resistência e de coragem. A poesia cristaliza a memória, auxilia o exercício de reconstituir nosso caminhar pessoal e coletivo, a palavra circunscreve cronotopias nesta nossa teia líquida contemporânea que tem acostumado demais nossos olhos às telas e aos subterfúgios luminosos que encandeiam vaga-lumes vacilantes entre a angústia e o sufocamento. Escrevemos, em um país que ainda luta contra as misérias da colonização, do analfabetismo, da violência policial, do racismo estrutural que nos (a)funda.
Insistimos na palavra, ainda que ela nos estilhace: sem verso/sem rima/sem tinta/ao reverso. Por tudo que se faz urgente, Allan escreve, é poeta e não me engana. Assim como Augusto nos alertou acerca do beijo, do escarro e da lama em seus mais íntimos versos, eu te digo sem medo de parecer lunática: acostuma-te às vozes, meu caro amigo. É com elas que aprendemos a fiar nossas próprias asas e a afiar nossas barbatanas para tomar com seres abissais lições sobre o alumiar de profundezas para seduzir e capturar os leitores.
Aline Cardoso