Há algo em comum entre as taipas – os muros das serras do sul – e as estradas de pedra da Estrada do Ouro que ligavam Minas ao Rio de Janeiro: são formados por pedras imperfeitas. Mas não bastasse essa constatação, resta outra, de outra ordem. Tanto as taipas como as estradas foram construídas por mãos humanas e olhares e toques inteligentes, pois vieram desses olhares e dessas pegadas de mão as constatações óbvias sobre que pedras deveriam vir antes, quais deveriam vir depois, e por quê.
A poesia de Isaías Gabriel Franco é pétrea. Ora, do tamanho de um muro de arrimo; ora, do tamanho de um cisco no olho. Sejam do tamanho que forem, das louvações aos aforismos, essas pedras (no sapato, algumas vezes) não devem servir para o conforto. Antes, para o impossível a que os poemas sempre se dedicam, como a eternidade; antes, aos acidentes provocados pelas pedras que nos atravessam o caminho, tanto faz.
Isaías escreve no poema “Magma”: “A vida endurece os homens, / a poesia os liquefaz”. É a porta de entrada para “Morada das coisas”, trecho em que estão assentados poemas metalinguísticos e “Inverdade das coisas”, uma longa sequência de aforismos. Se estamos diante de uma reunião de poemas tirados da pedra, o poeta se mostra o mais carnal possível: humano, gente, cidadão. O faz ao louvar a figura do pai, ao saudar sua terra, ao endurecer-se (o quanto mais for possível) contra uma certa escória política que tomou o país de assalto nos últimos anos.
O calor pode contra as pedras. A água também. Quem pode contra a poesia? A crítica? O público leitor? O próprio poeta? Talvez somente a própria poesia, enquanto ente autônomo, que se volta contra ou a favor (do vento?) de quem escreve e de quem lê. Seja como for, temos aqui um belo compêndio de poemas de Isaías Gabriel Franco, o poeta – não de pedra, como sua poesia, pois passível ainda de lapidação, como os bons poetas precisam ser, e a cujo desafio não se furtam jamais.
Marcelo Labes