Sobre Porque fecho os olhos, o livro de Augusto Meneghin anterior a este, Tiago Rendelli escreveu: “Como editor, posso afirmar que o Augusto é um dos maiores poetas vivos, uma potência mesmo em nosso tempo”. Concordo absolutamente. Escolher o que dizer sobre Estados Unidos com a América embaixo é sumamente difícil, afinal, caleidoscópio, ressignifica-se a cada leitura. Como fixar a impermanência? Preparem-se para um inferno de perguntas, uma espiral de enigmas com uma singularidade desconcertante.
Começa com um poema-avalanche que logo se faz interrogação — Pode uma avalanche pausar em sua inexorável descida? Digo-o, porque os versos conseguem esse segundo de silêncio absurdo, no qual a neve, perturbada, se imobiliza no vazio da montanha. Divina Marta S, a mulher que cai, empregada do planeta Terra, para a meio da descida. Pois, antes disso ela ouviu/o som do mar/dentro/de uma concha extinta.
Tempo, nascimento, morte compõem o fio que urde este livro. Sutra do nascimento, poema que o fecha, traz nas mãos um frágil ser nascente: A primeira vez que o segurei/tive medo de derrubá-lo/imaginei que você pudesse morrer. Augusto é peculiar na sua relação com o tempo — ora parece incorporar uma poesia que “já não existe”, ora ser imune a datações. Este livro oferece essa incontornável contradição — o tempo avança tanto quanto permanece. Oferta a possibilidade de nos mantermos vivos ao progredirmos entre ruínas. Todas as ruínas, todos os tempos. O avião de Hiroshima que atravessa a sala onde as crianças brincam, a estrada pavimentada até certo ponto/depois fendas e escuridão, Lisboa revisitada por um estrangeiro entre a guilhotina e a saudade, a sua infância e a dos seus filhos desabrochando, no mesmo país, onde o cinema tornou-se uma igreja neopentecostal, e o lago oval de carpas douradas com uma ilha no centro/agora é uma cratera de cimento onde pulam crianças. Um país em fogo permanente, repetidamente invocado: Brasil eu não sei o que é justiça/Brasil suas crianças estão fodendo/Brasil eu não conheço o seu sexo/Brasil eu queria uma farmácia cheia de floriculturas/Brasil eu queria uma farmácia cheia de poemas/Brasil eu desejo um paradoxo. Brasil é um poema de 2007, mas poderia ter sido escrito hoje. Porém, o poeta é o que ressuscita, é aquele que no círculo do espelho permite o encontro com uma avenida ignorada até então.
Augusto, termino agradecendo. Ouso dizer que muitos te agradecerão este mesmo poema. Obrigado amanhã/por ter me esperado/apesar da história/que me precedeu. Beleza pura ter acompanhado tuas mãos tecendo este livro sublime.
Judite Canha Fernandes