É como se este livro nos tornasse ainda mais conscientes sobre a existência de uma grande alma cuíer compartilhada, na qual a impossibilidade de ser e a dor repercutem de forma igualitária. Foi o entendimento que tive, de maneira quase intuitiva, assim que tive contato com esta primeira compilação de poesia escrita por Aramyz.
Todo dia é assim é uma obra sobre todas as portas que encontramos fechadas, antes e depois de sairmos do armário. Sobre aquela zona sustentada pelo desconforto e preenchida por todos os nãos que se encontram à nossa espreita.
Cruzes nas paredes, cruzes aos pés, coração sangrante.
Definitivamente, não há término para a empreitada aqui iniciada. De poema em poema, avançamos em um caminhar circular, episódico, constante, espasmódico. Do qual não há escapatória. Assim como o são os recortes da vida e da morte pelo autor retratados, aos quais reconhecemos e nos quais identificamos notícias já lidas, vozes ouvidas, rostos, situações: memórias — individuais, coletivas.
Aramyz criou aqui seu compêndio de palavras-lâmina, forjadas com precisão nas chamas de uma centena de fogueiras da atualidade.
Palavras-faca. Palavras-flecha. Palavras-murro, palavras-escarro.
O chão surge como único e provável horizonte para vidas e corpos indesejados. Corpos dissidentes. Corpos de viados. As tais bixas. As tidas como loucas. As invertidas. As travestis. Até mesmo as inclassificáveis.
Nas páginas de Todo dia é assim, Aramyz, que inaugurou uma notável trajetória literária, confirma o quanto sua poesia se mostra como um corpo receptivo/combativo, fundamental para a perpetuação de palavras que são alma e território, encantamento e consumação, apesar do mundo, apesar de tudo.
Cristina Judar