O título que Lucas Malkut dá ao seu livro de estreia guarda uma provocação inicial: o que a parte de um corpo pode falar sobre o corpo? E o que não está nele que também o anuncia? Em Barbatana, este jogo de presença-ausência parece desenhar as linhas com que o autor registra aquilo que fica de quem se dispõe a seguir com o movimento do mergulho.
Dividido em quatro partes e intercalado por fotografias, alguns dos poemas possuem certa fisionomia de carta, introduzindo ao leitor a presença (ausência) de um “outro”, um “você” ou uma multidão a ser alcançada. Mas é no fugidio que reside a implicação literária aqui perseguida, como se para Malkut fosse uma sina capturar (com o corpo) o que é de natureza incapturável — ou ainda como se, “lambendo tudo que há contradição”, desejasse tal condição. E este é o acordo: “quero me misturar até ao que nunca vi”. É assim que a voz em Barbatana, que ora assume o nome do próprio autor, atira, para destinatários incertos, senhas e imagens que ficam à deriva por um certo tempo. E nesse quase-epistolar não há como saber se estamos diante da memória ou de conjurações. “Chance-fantasia”, nos fisga o autor em um dado momento. E não é assim que conspiramos?
No contato com o ambiente ao redor, um exterior estimulante/fulminante, o corpo acontece. “Na rua você é tão radiante/mas em casa se cobre todo, emudecesse”, pode ser um lamento permitido, mas para Malkut tanto o dentro quanto o fora dão em águas. Em Barbatana, o mar se metamorfoseia, assim como lhe é próprio, e pode ser lido como sendo a cama, o desconhecido, a lente ou o próprio corpo: “somos quase idênticas (eu e a água)”.
Mas não é necessariamente um tema. Está mais para uma via de acesso com muitas direções, cuja função é a de criar o compromisso literário em nome de um arcabouço semântico prioritariamente encarnado, essencialmente erótico. Como quem diz: quem escreve deve ser o corpo em movimento, “desviado e libidinoso”, que se propõe, sem receio, a ser incompreensível, que “recolhe o todo por onde passa”, mesmo que deixem “rastros emaranhados sobre a imagem”.
Jjoão Paes