A gente sempre espera pela alvorada. Mesmo sabendo que ela nem sempre traz o que a gente quer.
Às vésperas da festa do Divino, temos o resumo da maldade e da paixão cultivada de maneira errada na figura de um homem que sempre fez o que quis. Mas será que fez mesmo?
A crueldade Francisco não é uma exclusividade dele. É fruto de gerações e gerações que criaram uma cultura quase sufocante no Brasil, que está longe de deixar de existir. As mulheres da sua vida, meras desculpas para destilar sua ruindade. O isolamento, longe de ser uma paz, é um transtorno que Francisco cultiva para sabotar a si mesmo.
Mas a Alvorada está para chegar. As filhas, empregadas e amantes desse homem que, como tantos, se acostumou a só definir sua vida a partir dessas relações, nunca de afeto — elas nem sabem que com a festa virá uma revelação.
Não exatamente uma epifania, uma vez que a fé, tão presente, parece não ter poder muito além do altar. Mas chega com a festa uma nova esperança para aquele mundo tão sem. Finalmente todo sofrimento será expurgado, toda a tristeza será recompensada e toda a indiferença se tornará presença. O divino será terrestre.
Não é só o sol que chega com o novo dia. O passado também vem visitar Francisco e o obriga, aos 80 anos, a reescrever o presente. Mas para quem ele vai contar suas histórias agora? Para as pessoas que ele afastou a vida toda?
Chico Gayoso faz um retrato forte e inesquecível de uma família que é ao mesmo tempo tão próxima e tão distante de nós. Resistimos a pensar que temos algo desse dna em nossa árvore genealógica, mas será que estamos tão protegidos assim de repetir um passado?
A tristeza, como sabemos, avança sempre num loop. E só está esperando uma nova Alvorada para nos reencontrar.
Zeca Camargo