Sou uma pessoa do público.
Uma amiga me ligou para me convidar para ver uma peça de teatro.
5 minutos.
Me disse que era uma peça de amor.
A esperei cinco minutos.
Não chegou.
Entrei sozinha.
Me sentei na primeira fila.
Gosto de sentir a luz do palco sobre meus sapatos.
Começa.
É verdade.
A peça fala de amor.
Homens e mulheres que trabalham.
Manuel e Amanda.
Se amam.
Há uma greve.
Alguém morre.
Alguém mata um grevista.
Mas decidem continuar lutando.
Há um preso.
O amor se transforma em dor.
Agora o palco é uma sala de tortura.
Começo a suar na primeira fila.
Silêncio.
A luz do palco me ilumina a cara.
De repente o ator me olha.
Nos olhos. Se aproxima.
Me dá um papel.
Tenho que o ler.
Agora o público me olha.
Faço.
Leio.
Alguma vez fui atriz.
Mas a voz me sai quebrada.
O papel me treme na mão.
Tento outra vez.
Finalmente consigo ler: Tá faltando pouco pra tu não abrir mais a porra dessa boca. Vou te fazer uma proposta, vou te ajudar, já sabemos que você num tava sozinho no morro, quem estava contigo, fala e quem sabe eu te ajudo. Fala filho da puta.
Depois outro silêncio.
Me transformei em uma torturadora.
Então há golpes imaginários.
O ator grita de dor.
O homem torturado grita de dor.
Até que decide confessar.
Mas não delata seus amigos.
Simplesmente diz que seus amigos são todas as pessoas que foram oprimidas, torturadas. Essas pessoas que lutam e então acabam espancadas, nuas.
São pessoas que se vão por cinco minutos e não voltam.
Pessoas que ficam presas nessa vida eterna que são cinco minutos.
Então alguém canta uma música que se chama Te recuerdo Amanda.
Depois de um tempo a peça termina.
Saio correndo do teatro.
Como Amanda quando corria à fábrica para encontrar Manuel.
Chego a um café.
Ligo para minha amiga.
Vem pro café.
Vem agora.
Preciso te contar a peça.
Desligo.
Espero.
Procuro Victor Jara no meu telefone.
Leio.
Victor Jara foi assassinado por militares em um estádio no Chile.
1973.
É um artigo sobre a tortura.
Diz que os militares brasileiros ensinaram os militares chilenos a torturar.
Apago o telefone.
Minha amiga ainda não chegou.
Agora o ator e a diretora/dramaturga da peça chegam no café.
Me reconhecem.
Me cumprimentam.
Me agradecem por minha atuação.
Me convidam a sentar-me em sua mesa.
Eu aceito.
Mas não falo em toda a noite.
Estou pensando em greves, tortura e amor.
Como poderia pensar em outra coisa?
Guillermo Calderón