Reunindo em si a tensão dialética de ser ao mesmo tempo um legítimo flâneur, que serpenteia o corpo nas ruas da velha cidade, e um cidadão que encara os seus vínculos obrigacionais como um trabalho de Sísifo, Leonel acalenta o desejo de subverter uma certa ordem das coisas que, para ele, não está suficientemente clara, tampouco para o cineasta Raul, e João, codinome Hunter, o professor.
Nesse palco de ressurreições inesperadas e inquietudes que fundem abismos pessoais, o triunvirato executa um devaneio cinematográfico que resulta no grande e iconoclasta acontecimento das suas vidas até então: o incêndio da estátua do Almirante Tamandaré, herói monarquista e ilustre desconhecido de quase a totalidade da população. Tal devaneio, entretanto, como ponto de inflexão do destino, faz Leonel procurar refúgio na pequena propriedade rural do avô, e provoca um reencontro decisivo com o seu passado.
A abertura da caixa de memórias do seu avôhai, encravada em solo pré-histórico, é o fio que conduz a dilemas universais e às profundezas das vastas e belas solidões das paisagens do interior do Brasil.
Combinando temporalidades distintas, não lineares, esta prosa poética que ora se apresenta, valendo-se de poderosas metáforas, expõe as contradições históricas do país, assim como os caminhos e descaminhos que se entrelaçam nos desertos pessoais de Leonel.
Todos estes recursos, combinados e mobilizados na narrativa surpreendente que doravante chega às mãos do leitor e da leitora, fazem de “A Caminho do Centro da Queda” uma experiência única e indescritível.