Em Da queda enquanto voo, este livro de estreia cheio de vertigens, Adriana Massocato começa seu primeiro verso com um mar em sua frente, mas sem saber nadar.
Esse poema inaugural, uma espécie de introdução às quatro partes que compõem a obra, parece indicar o que encontraremos a seguir: um sujeito carregado de desejos que deve se encontrar, circular e pertencer a um mundo imperfeito, ao mesmo tempo em que se faz poeta, aprendendo a “caminhar sobre as águas”.
A palavra “caminho”, aliás, não apenas intitula uma das partes do volume, mas é central em toda a obra. O eu lírico (pessoa ou poeta) em construção busca a própria feitura durante o caminhar, no voo e na queda, já que na queda também nos constituímos, é das quedas que se fazem os voos. É a partir desse salto no vazio, então, que Adriana se torna poeta, que desatina a escrever “cartas aos pombos e aos intérpretes”.
Nas duas primeiras partes desse percurso, “Muda” e “Fundo”, a poeta se lança aos nascimentos, à infância como memória e esquecimento, ao aprender a ser, “cair no mundo como um pássaro”, ao sentimento de inadequação, ao desamparo e à loucura. É preciso aprender a jogar a vida “que todos parecem jogar tão bem”. Lançamo-nos também, como não poderia deixar de ser, no abismo de nascer menina e de se fazer mulher: “tornar-se indesejável/para nunca mais/ser comida viva”.
Seguimos sem rumo pela terceira parte do livro, “Caminho”, em que encontramos o mundo externo, grande e redondo, os lugares aonde nunca chegamos: “Eu, aqui e ali, sou a esmo”. Encontramos ali mais um lugar de risco: o amor, com toda a sua beleza e ruína. Mas é na quarta e última parte, “Laço”, que todos os caminhos se enredam, a vida em sociedade e o passar do tempo, alguém que quer detê-lo “como quem laça/um cavalo/um boi/um amor/um unicórnio”, o estar no mundo “que não cumpre as promessas que fez” e as indagações sobre o que é ser um sujeito e o que é ser poeta (“Poeta vai para Machu Picchu?”). É assim que a poeta existe e resiste como ser deslocado, “à margem do que foi instituído como margem”, é assim que se faz poeta: encontra palavras como chaves perdidas.
Essa combinação provoca no leitor a vontade de viver aquilo que a poeta viveu, em sua memória e esquecimento, caminhar pelos lugares ou não lugares em que pisou, no voo que já começa com a queda, como o unicórnio perdido que vagueia pelas páginas deste livro.
Júlia Codo