“Isso não é um testemunho”, promete e provoca Alice Vieira, a uma distância calculada em verstas. O acento russo nas medidas de “Bugiaria” sugere o nada, a noite, como norte. É diferente o “aqui”, em que o vazio se aviva, onde o trejeito desmedido e quase cômico da poeta se confessa, mas escapa. É “aqui” a dobra — o espelho — entre a promessa e o agouro, entre a dança e a timidez. É “aqui” que a poeta — esse “corpo de mulher trabalhando” — profetiza: o amor fará com que a chamem poetisa: será tudo culpa de Antônia?
Mas a poeta segue como pode, integrante de um “exército de mulheres cansadas”. Por vezes, como espantalhos à espreita; em outras, como cães à caça de lebres. Alice Vieira não produz um testemunho, antes oferece a decupagem de um Habitat que ora a abriga, ora a hostiliza — e que ela retém com todo esmero, total argúcia e expresso método: Alice Vieira capitula, também, o fracasso. O seu espaço habitado é o seu poema, é o seu corpo: não de poeta, mas de glicínias, que trepa e se multiplica, rastejante, sobre as superfícies do poema. Assim se lembram (a poeta, o poema e o seu corpo) de sua vocação intempestiva cuidadosamente manejada para o apaziguamento: explosão retardada — ou, com sorte, um “projétil falho”. Inteligência: estratégia.
Isso não é um testemunho oferece a contemplação rápida e evanescente da fauna poética em que as formigas — as mulheres, “As meninas” — estão na moda, como Marylin Monroe ou Tippi Hedren, de quem ainda se tomam as medidas das cinturas: finas, como as das formigas. “O tempo da beleza já era”, anuncia a poeta, “odradek de anáguas”. São tempos de guerra, de fome, de fascismo, de, por enquanto, muito barulho. A cozinha ainda é claustro, e algumas coisas não se barganham. Diante das mulheres, um homem não corre de costas. Ele, o homem, não escapará às Moiras; a mulher (intransitivamente, porém) não escapará. É fera e é presa ou é berro: “mas a quem interessa”?
Isso não é um testemunho. A poesia não é um testemunho. Não é evidência, não é audiência, não é acidente que não pertence a lugar algum e que de fora se presta a olhar. Isso não é um testemunho. As testemunhas são a terceira parte envolvida. As testemunhas declaram o que viram. As testemunhas “não tomam parte no ato da cópula”. Alice Vieira não é testemunha.
Constance von Krüger