Para Guimarães Rosa amar os animais é aprendizado de humanidade. Já para Clarice Lispector, não ter nascido bicho foi sua secreta nostalgia. Donna Haraway gosta de saber-se um macaco, entre macacos, ciente de que somente 10% dos nossos genomas são considerados humanos. Para Cristine Takuá, se fôssemos criados entre leões, falaríamos a linguagem deles. Para Carlos Papá, animais e plantas são seres criativos. Em “O animal que logo sou”, Derrida sugere que animalidade é a potência de se relacionar com o outro através dos sentidos e pelo coração. Para nós, investigar a animalidade foi antes de tudo, uma aproximação com o corpo e um afrouxamento da necessidade de controle.
Aqui o leitor vai encontrar os rastros de um acontecimento: este grupo heterogêneo de 12 autores/as de diferentes regiões, idades, gêneros, descendências e maturidade em relação à poesia, esteve imerso na Amazônia paraense de 11 a 20 de dezembro/21, logo após longo período de recolhimento por causa da pandemia. Entre banhos no Tapajó, caminhadas na floresta, noites sem parede, convivência com seres visíveis e invisíveis, ou mesmo rodando as saias no Carimbó para reencontrar a alegria, vimos uma teia se tecendo, entrelaçando medos, percepções e transcendências. Ao habitar os mistérios que a floresta nos impôs, aceitamos o desafio de inscrever um corpo dilatado, vulnerável e poroso.
Antes de ser o pulmão do mundo, ouso dizer que a Amazônia é o útero e o intestino da Terra. Nos põe em contato com a ferida primeva, provoca ânsia, trabalho de parto, diarreia. A floresta, assim como a vida, nos oferece um escorpião cada vez maior até encararmos os nossos poemas de frente. Dormindo casulo, sonhando borboleta e acordando lagarta, movendo macaco, rolando criança, trocando o corpo-aquário pelo peixe-pássaro-pessoa, despencando cascas e habitando velhices, nos pudemos metamorfose.
“Corpo, animal em extinção” convida o leitor a usar a boca como uma espécie de mão, como muitas vezes fazem os animais em busca de uma forma mais viva de sermos humanos.
Lucila Losito