— Vô, quiquié “cabo”?
— Esse..? — apontando pra vassoura.
— Não, vô… é quicêfalou que a Curiosidade quis dar
“cabo” na vida do gato…
Ele ria e mostrava os dentes obturados e amarelos, feito os grilos e papéis da gaveta. Parecia que comia papel; os bigodes relinchavam e depois se acalmavam no inquieto vício que trazia no copo. Acendia um cigarro e explicava, ou melhor: professorava minha curiosidade e – mais tarde – meu lamento. E ainda que não mais pudesse subir no telhado, restava-lhe uma garra ou outra para pular da cama e mijar no mato. Vez teve em que me disse para desaguar a bexiga no ferida: cortei o dedo com o canivete que ganhei de meu pai.
R$52,00
_sobre este livro
Não espere detalhes. Não procure respostas. Abandone a exegese, pois não há significados. As crônicas gerais de F.G.L. são altamente sensoriais, mas não trazem nem almejam algum sentido. Se há uma procura e um achado é por atmosferas, climas que se constroem da junção entre cenários, pessoas e narrador. O encontro nos é dado para ver em flashes. Dos retalhos de imagens, sons, cheiros e falas resulta um mundo que brilha como uma estrela já consumida em supernova. Como a luz que viaja anos-luz para, enfim, nos iluminar, o hoje é memória. Há um quintal, mas não há. Há uma mãe, um pai, as onipresentes avós. Há o corte e a cicatriz. Há a distopia, a modernidade inconclusa, o pesadelo pandêmico. Há também sempre algo a apontar para o que poderia ter sido e não foi. O convite “vamos fugir?” morre antes de nascer. Para o memorialista autoficcional, o único escape possível é para o passado. Este não vive, sobrevive como fardo ou farsa, faz casa na melancolia de um eu lírico cujo universo não lhe pertence. Que não nos pertence.
Rodrigo Ratier
_outras informações
isbn: 978-65-5900-312-9
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 13x19cm
páginas: 148 páginas
papel polén 90g
ano de edição: 2022
edição: 1ª