Recentemente, li Escrever, de Marguerite Duras. Dos muitos grifos e anotações feitas ao longo da leitura, destaco uma passagem, que parece ressoar nas páginas do livro de Diego. É essa aqui: “encontrar-se em um buraco, no fundo de um buraco, numa solidão quase total, e descobrir que só a escrita vai te salvar”. Buscando me entender com o sentido que me fez associar o que diz Marguerite com o conjunto dos poemas de Diego, é preciso dizer que trago apenas rumores do que o poeta escreveu. Procuro, brevemente aqui, traduzir em palavras, provavelmente imperfeitas, o que consegui escutar, o que me comoveu e me fez levantar da cadeira muitas vezes para beber água e prosseguir a leitura.
Nasce-se-morre-se, essa é a lógica da vida, todos nós cumprimos esse ciclo. Mas talvez a gente não esteja muito atento ao fato de que já ao nascer morremos para um certo mundo, o mundo-barriga da nossa mãe. E esse corte significa nascer para um mundo próprio, singular que, no entanto, precisa ser instaurado, não vem pronto. Implica um trabalho incansável para que essa vida floresça, faça sentido para si no mundo. Frágeis, lidamos com o imponderável o tempo todo: o de dormir e não acordar no dia seguinte, o de nascer e imediatamente morrer. Uma vida que medra, do jeito que for, é sempre um mistério.
Os poemas contidos neste livro, que leio como um único longo poema que se desdobra, estão tingidos de dor: um pai perde sua filha, nasceu-morreu. Brutal assim. “Nascimento e morte/me encurralaram/em um lugar interminável”. E um pai poeta “precisa trabalhar” muito diante de tamanha devastação, e recobrar algum prumo possível na vida, e não faz ideia de como. Escreve. Se para Duras só a escrita salva, para Diego não é bem assim: “escrever é escasso/é insuficiente/escrever não basta/escrevo sobre isso”.
Diego esgrima, como pode, com palavras que sabe serem insuficientes para dar algum contorno a um sujeito devastado. É imperioso que forje essa espécie de língua poética estranha, que é ao mesmo tempo desatinada e silenciosa. Fúria e recolhimento. É quase uma ordem se queimar na dor para se reanimar: “escrever a colisão/da morte/com/o nascimento”. Escrever ampara, “alquimiza” a vida.
Ao longo dos poemas, a dor é senhora, mas vai sendo lapidada, abrindo espaço para o infinitivo nascer de um filho. A dor destilada nos versos devém semeadura. A vida deseja vingar, e nos surpreende sempre. O que nos cabe é perseverar.
Escrever-viver é nosso destino.
Rosane Preciosa