Desde a entrada, o livro de Fernanda Comenda pede orelhas atentas; não só à sua pulsação, mas ao breve silêncio que intercala sístole e diástole — a estrutura do livro remete ao ciclo cardíaco. Como sintetiza um dos poemas: “não escrever linha alguma/que seja menos/que um silêncio”.
E, contudo, se escreve. Afinal, esse imperativo de mudez não resulta numa poética do silêncio. Antes, a voz inquieta da autora se vale da falsa transparência da linguagem para insinuar outros sentidos por baixo da superfície. É uma poética da insinuação que diz (e muito) sem dizer.
Muitas vezes, as relações afetivas aparecem configuradas por elementos domésticos, dispostos em ordem regular, como os tacos do piso no início do poema “maneiras de dizer que você veio”:
“três na vertical
três na horizontal
alternados
três na vertical
três na horizontal
alternados
dois na vertical”
É de se notar que, apesar da quebra de alternância, o padrão rítmico no último verso se mantém. Uma maneira sutil de indicar a presença pulsante daquilo que falta. Diante da rejeição e dos desencontros com o outro, o antigo conselho de sacudir até a poeira dos pés — ou rodapés, como no poema “eu me atrasei” — não deixa de ser um modo de sublinhar sua permanência, mesmo que seja pela subtração. Já disseram: “quem muito se evita, se convive”.
E, com todas as suas ambivalências, “convívio” é uma palavra-chave que permeia as páginas desde o título: átrio denota tanto as cavidades cardíacas de entrada e saída do sangue quanto o pátio central de um imóvel. Esse “encontro/entre o couro/e a casa” sugere o ponto limítrofe onde interior e exterior se ligam e, ao mesmo tempo, se separam. De fato, é um limite frágil, que muitas vezes se rompe, chegando ao cúmulo da impermeabilidade: “de dentro pra fora/nada alcança/de fora pra dentro/nada chega”.
Se o que a vida quer da gente é coragem, ei-la aqui. Para encarnar o êxtase, e também o estrago que nos fazem os afetos. E “afeto” não se refere à qualidade dúctil e sentimental da palavra, mas àquilo que nos afeta, que nos move — para dentro, para fora. Como as pancadas do sangue.
Em círculos.
Diego Alves Amâncio