Toda revolução começa no corpo. Revolução: gabriela efigênia farrabrás. Eu a saúdo,
pois chega em hora exata este corpo-livro revolucionário. “e eu prometo/um
dia chego”: promessa cumprida, memória de futuro. Um corpo é sempre exato
em sua hora: vasculho-o porque ela assim me confiou. E porque
víboras conhecem os túneis que levam ao de-dentro.
Obreira de si, a poeta não se economiza no verso: “ontem/tentei me matar//hoje pintei as
unhas/de preto//as banalidades seguem”. É a vida rompendo do, no e com o
passado. Os versos finais de cada poema sustentando o edifício todo.
Laborar o pharmakon-palavra. Pintar as unhas,
tomar sol, lavar louça, cozinhar: que força sustenta os fazeres —
batalhas diárias — de uma fêmea adoecida? Quanto dessa força destina-se a
dis-trair a morte?
gabriela coloca nesta obra toda sua força. É Iansã essa que vejo a
um lado? E do outro, cujo nome não se diz mas teve a pele queimada? Atrás, a
legião: “me multiplico em duas/e com duas de mim/eu sei ser
minha própria amiga”. Na frente, a poesia.
Ela sabe transformar morte em vida. E poesia não brota
do acaso, mas de mãos calejadas. Milimétrico o labor da mulher-poema —
trotskista e maiakovskiana — que precisa manter os trens nos trilhos, o pau
ardendo na punheta, o poema em pé sobre a página: “fique viva/é importante
que esteja viva/vital até/pois//nenhum poeta vai falar sobre a greve dos
petroleiros//exceto tu”.
Nunca li/vi/senti poética tão precisa sobre responsabilidade e cuidado de si:
gabriela afunda a mão no caos do corpo e toca a intrusa, mas, ao
torná-la matéria viva — palavra, som e sentido —, inicia o ciclo de atividade
vulcânica do corpo expandido em texto. Erótica, a poeta se incendeia em e de
vida: “pega o poema/como pega na punheta”, “quero
engolir o mundo/à boca pequena/— eu já disse —/mas vai caber tudo/o que
eu quiser/basta abrir a boca”.
Toda revolução começa nas bocas e corre pelas artérias do corpo
social: “devorar/essas pessoas/a palavra mais linda/camaradas/a
sabedoria/nos queremos vivas/nos precisamos vivas/para a revolução/que
virá/para a nova vida”. É uma poeta madura essa que nasce hoje, mas que
vem se gestando há tanto tempo nos subterrâneos da cidade, nas bandeiras
erguidas nas passeatas: “parar os meios de produção/ocupar os meios de
produção/e Marx fica sempre mais lindo/na boca de uma mulher”.
gabriela efigênia farrabrás é voz que ecoa muitas. Seu nome, Legião. Sigo
ouvindo-a e sopro pro futuro: que a poesia seja desde já seu mais longo
relacionamento.
Geruza Zelnys