A poesia que observa e que alimenta
O sol pelo basculante é a segunda coletânea de poemas do escritor mineiro, de Passos, Alexandre Brandão. A primeira delas, o impressionante Nenhuma poesia: uma antologia, editado pela Editora Patuá, já indicava o surgimento de um grande poeta, com dicção própria e talento inquestionável. Divididos em oito partes, que os reúnem tematicamente, os poemas nos revelam um poeta maduro, senhor de sua arte, sensível às questões do seu tempo, atento à sinuosidade misteriosa da vida e às suas armadilhas e miragens. Alexandre Brandão constrói, com domínio absoluto de sua arte, um verdadeiro painel do ser e estar no mundo, indo do melancólico memorialismo lírico, como em “A gambiarra da garotada”:
A escuridão se perdeu pela noite
e eu, menino de mim,
me olhei no espelho e
gostei do que vi.
à crítica social mais ácida, como em “Morada do medo”:
Somos medricas morrediços
somos merdinhas movediças
somos mórbidos movidos a morfina
passando por flagrantes poéticos do cotidiano da vida presente, dos homens presentes, como diria seu conterrâneo ilustre e gauche, como em “Tempo sólido”:
A infância não voltou num chocolate quente
nem a juventude num rabo-de-galo.
No presente, uma curra
diária, um curto
do cujo.
ou em sua reflexão sobre o poema, em seus metapoemas, como em “A lida disforme”:
Palavra verbo
desejo silêncio
um verso
: eis o mundo
O sol pelo basculante é fruto também destes tempos de pandemia, de isolamento, de reflexões no claustro doméstico e, não por outro motivo, traz ao leitor, em versos livres e imagens desconcertantes, o desassossego e o espanto do autor diante de um mundo que se foi e de outro que se mostra desafiador, pois que já nasce em ruínas. Nesse novo mundo, calcado na frieza absoluta, na descrença, na falta de perspectivas, a poesia de Alexandre Brandão – como, aliás, por princípio, toda poesia – resiste, confronta, afirma, traz esperança e frescor. A poesia desse poeta radicado no Rio de Janeiro tem a simplicidade complexa inerente aos grandes poemas e, mesmo sem qualquer pretensão de apontar caminhos, cumpre naturalmente a função de invadir nossos lares e aquecer nossos corações, como o sol que, rompendo o basculante, “nos observa e alimenta”.
Brasília, março de 2022
Leonardo Almeida Filho