A epígrafe de João Cabral é uma via de entrada para urgências que não são, novo livro de Cristiano de Sales. A concisão formal e a densidade das reflexões cabralinas resultam numa chave de leitura que acentua a precariedade de nossas respostas ante os dilemas do mundo. Sem mitigar nossas utopias, Sales demonstra desde seu livro anterior (De silêncios e demoras, 2020) que um dos apelos da poesia contemporânea é compreender os lugares onde a vida se exprime em constante ebulição. Na rua, no centro da cidade, na feira, o olhar do poeta é atraído pela impermanência. Ao tentar capturá-la, sinaliza para outro mundo forjado para ser disperso.
Dividido em sete partes — que podem ser lidas como séries autônomas, ou como um conjunto dissonante — urgências que não são radicaliza o interesse do poeta pelo fracionamento das experiências humanas. Os poemas não são um retrato do presente, mas são atravessados por alguns dos seus aspectos, de modo particular a pandemia de Covid-19. Por causa dela, a tensão entre vida e morte é encenada no confronto entre a alegria de um frágil carnaval e a imposição do confinamento. Os desencontros, a solidão, o trabalho exaustivo são evocados como elementos de uma ordem social insatisfatória. Tédio e desalento acompanham quem busca “no canto do café” um conforto contra a “tarde fria”. Dentro e fora do sujeito, o mundo deixa, aos poucos, de ser uma promessa e se cristaliza no esfriamento dos afetos.
É dessa terra desolada que o poeta extrai a razão de ser do seu ofício. É através da palavra volátil que descobrimos outro sentido para nossos pequenos e grandes atos: “quem sabe/se conseguimos fazer demorar/um pouco mais/a espessura do silêncio/da manhã”. No entanto, esse fio de esperança vem acompanhado de um reconhecimento crítico dos erros que foram cometidos pelas sociedades modernas. Por isso, o poeta se mostra atento àqueles que, como Ailton Krenak e sua comunidade, interpretam o mundo de um ponto de vista em flagrante desacordo com a lógica da produção e do consumo desenfreados: “para os povos da floresta/pensar é ouvir/ritmos de outro eco/de outra lógica/ visão.”.
O encontro desejado entre o hibisco de Krenak e a rosa de Drummond (flores nascidas no solo do desprezo humano) consiste num alerta contra as práticas anti-civilização que ameaçam a contemporaneidade. Se elas não forem estancadas, teremos menos recursos para pensarmos o passado e imaginarmos o futuro. Daí, como está subentendido no título deste livro, tudo é pungente, até que saibamos discernir as urgências falsas das verdadeiras.
Edimilson de Almeida Pereira