Durante os dias mais frescos vou para a varanda da pousada sentar-me na minha cadeira de bambu. Tenho um quarto só para mim, mas como a vista da minha janela é um dos muros laterais da propriedade, prefiro sempre passar o dia lá fora, na minha cadeira. Às vezes compartilho o espaço com Aldemaro — ele não fala muito, e por conta disso não me importo com sua companhia. Ficamos os dois nos nossos próprios mundos observando o mundo dos outros lá fora, não há muito para fazer além disso. Quer dizer, dentro da pousada há uma sala de jogos de cartas e tabuleiros, onde inclusive acontecem aulas de crochê, pintura e pseudo ginástica durante as terças e quintas-feiras. Também há uma sala para assistir televisão, mas enquanto a velha Dolores estiver viva aquilo vai estar sempre a passar novelas mexicanas ou algum programa estúpido de auditório. Por isso, na maioria das vezes, estou na varanda com Aldemaro. Observamos as pessoas transitando do outro lado do pequeno muro apressadas ao telefone; jovens sorridentes saindo da escola com suas risadas altas que ecoam ultrapassando o som de tudo à nossa volta; vemos também, vez ou outra, alguns velhos da vizinhança arrastando os pés na calçada com seus sapatos de couro de vaca igualmente velhos — é até engraçado como alguns deles tentam não olhar para cá, contam as moedas para o pão, desviam os olhos, viram o pescoço para o outro lado da rua, assobiam a imitar passarinhos, mexem na bolsa à procura de qualquer coisa, etc. etc. Penso que esses velhos malucos sentem receio de que possam ser igualmente estufados aqui dentro a qualquer momento, como se nós fossemos agarrá-los pelos calcanhares e fazê-los de reféns. Por mim, arrancaria-lhes os sapatos e os lançaria na testa até que não os visse mais à minha frente.
(Casa de pouso, página 9)
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