Neste livro, Hortência Siebra nos convida para o jogo desde o título: afinal, seria “tornada” o particípio passado do verbo “tornar”, um adjetivo com o sentido de “que voltou”, ou uma pequena transgressão linguística, possibilidade feminina do substantivo “tornado”?
Lendo o livro, não podemos ter certeza, o que é ótimo, uma vez que a leitura que me parece mais interessante é pensar que “tornada” é as três coisas a um só tempo: tufão que faz remoinho e um sujeito lírico aqui torna(-se) e retorna: aos sentidos, a si mesma, a algum lugar de onde partiu.
Desde o poema de abertura, somos convidados a pensar sobre o “princípio”, ou melhor, sobre “antes do princípio”. Intitulado “criacionismo”, ele nos diz:
antes do princípio,
havia uma entidade
descontente
e sobretudo só
O poema seguinte nos situa no campo da investigação sobre a linguagem poética:
diário
a linguagem poética
me fez estrangeira
meu desejo era voltar pra casa,
mas a casa caiu
A escrita, seja ela de poesia ou de prosa, sempre nos convida para alguma categoria de jogo: situada entre o autobiográfico e ficcional, esta é uma partida em que aquele que escreve, sem poder escapar de si mesmo, é, ao mesmo tempo, irremediavelmente alguma espécie de alteridade, um sujeito outro, capaz de olhar a sua própria língua com estranhamento.
Escrever também é sempre retornar, já que não há folha em branco. Escrevendo em 2024, com uma longa tradição que vem antes de nós – mesmo sem que tenhamos plena consciência disso – encontramos a página já toda escrita. Cabe à poeta retornar – a poemas, a autores, a temas, e relacionar-se com aqueles que lhe interessa. E, nesse caminho de volta, cabe a ela, também, multiplicar os estranhamentos, jogar o tufão sobre quem a lê, insistir e teimar
(…)
até achar jeito novo
que sustente
o meu nome
no fim
Hortência Siebra
O percurso da “Tornada” tem tudo isso. E tem bom-humor e fofocas misturadas a histórias trágicas e poemas “matemáticos”. Com uma linguagem condensada, acertada e precisa, Siebra não nos fornece respostas definitivas (ainda bem!), antes no convida para retornarmos, uma vez mais, a cada poema e investigarmos as possibilidades de resposta com ela. E não é isto mesmo, esse eterno retorno em cujo percurso levanta-se um tufão, a essência de cada poema que nos acompanha?
Lilian Sais
Escritora e educadora