O mundo que não cabe no mundo, a poesia infindável que não cabe na terra. Por isso é semeada, brota, cresce, é arrancada, é devorada, é expulsa e volta para onde veio, assim como todos nós.
Nessa ritualística de tudo, pela qual todo ser humano anseia, indomáveis almas selvagens que almejam a conexão crua com a origem de si, Carolina Carvalho faz sua poesia. Sua música, seus contos, sua prosa, seu traço, suas palavras, sua voz, é tudo fruto da memória que a autora cultiva na terra.
Desde pequena, Carolina se envereda por diferentes tipos de expressão artística. A latência do misto de suas dores e alegrias sempre se fez urgente, e rapidamente se transforma em suas criações. Na suavidade da voz serena, Carolina se prostra diante da obscuridade do luto quando reencontra sua terra e sente sob o corpo o galope de seus cavalos. Na beira de um lago, versa sobre o verde denso, sobre a roça, os animais, o amor, a infância, o silêncio que escancara o grito da dor geracional e universal de todas as mulheres: aprender a amar nossas origens.
As ausências e perdas são temáticas presentes na poesia da autora tanto quanto sua alegria e seu brilho por estar sujando as mãos de terra e sentindo as bochechas queimarem pelo sol que estala sobre o roçado. A coragem de poucos: olhar nos olhos a ambivalência da vida, o indissociável e incômodo-constante da ternura, que é íntima da tristeza.
Pelas entranhas da correnteza que beira a terra batida, Carolina descobre seu corpo de mulher-bicho. Evoca, assim, memórias de infância, cristalizadas sob tantas e diversas camadas que a vida adulta nos impõe. A redenção não é mais destino final, mas a divindade que habita no vento, na chuva, no rio, no céu, no sol que queima a pele e na terra que mancha os dedos. A impetuosidade da figura do cavalo, consolidada historicamente para representar poder e conquista, para a poeta é elo firme que se liga a seu coração dilacerado e abrilhantado e, assim, a conduz pelos fios da memória.
No galope, Carolina desbrava essa terra, onde reencontra a essência de seu pai e retoma as rédeas de seu próprio mundo. No entendimento da sabedoria da natureza e com confiança na maestria do tempo, a poeta nos convida a abandonar o medo dos ciclos de vida-morte-vida e apresenta a dimensão primorosa, incrivelmente complexa e ao mesmo tempo simples, dolorosa, bela e visceral de seu mundo. A origem de sua origem. A memória que é raiz que não cessa em se espalhar.
Carolina Menezes