Este livro foi lido para mim pelo amor de minha vida, com sua voz estridente, sentado à mesa de uma anciã, sobre uma toalhinha de crochê. Um arrepio tortuoso veio mais de uma só vez. Senti um misto de angústia e fúria por ter a consciência de estar diante de algo que não irá morrer. E isso é tão raro.
Porque fecho os olhos é a resposta para as tensões e impossibilidades, o percurso pelo qual a memória configura um corpo presente. As veredas traçadas podem parecer sombrias e tenebrosas, paralelas à morte, mas as coisas se entrelaçam no infinito aqui. Escute, leitor, o pedido de perdão desse poeta, seu grito de clamor, o sussurro vindo de sua memória abafada, esse lugar de peste e amor.
Augusto será lembrado por não caber, por ser maior que as páginas, que os quadros, que as telas, por ser esse extravasamento de beleza em carne viva. Suas perspectivas de imensidão estão à altura de uma mirada diária, seja na xícara de café meio suja, com resto de pó mal coado, ali, frio, seja no maior dos poemas ou até no abraço que encerra qualquer distância. Augusto é o olhar do gato, atravessa o invisível, rasgando a fumaça da realidade para compor o novelo de pontas soltas chamado vida.
É sempre preciso saber quando se foi feliz e nunca por que não se é mais. Estes poemas trazem a crueza de encararmos que todas as guerras existentes são incomparáveis à vastidão das estrias que percorrem coxas amadas. Invencíveis as guerras, invencíveis as estrias.
Mesmo em flashes soltos do que poderia ser o mais ordinário possível, quando unidos, à meia luz, vislumbra-se o todo, meio vazio, meio deturpado. Esse é o poeta, essa é a potência que está presente em cada frase deste trabalho. Quase sempre resguardado na saudade, no que falta, entre brinquedos, eletrodomésticos e barbárie, o mundo expira, pois enxergar nunca foi nem será suficiente.
Talvez os anos componham o abandono, amarelem essa primeira edição que estará repleta de canetadas ilegíveis típicas de sebos, rodados. Não morrerá. O todo esvazia e os recortes perpetuam a existência. Quase nunca se há espaço para tudo, mas para Augusto há. Para este livro sempre haverá.
Debora Ribeiro Rendelli