Este é um livro de luminosidades intermitentes. Em um voo traçado por lampejos de luz, Pirilampas promove uma incursão pelos interstícios da linguagem, incorporando silêncios, produzindo imagens-fragmentos, cristais do tempo agenciando um movimento de mundo, força capaz de fazer ver o que não se mostra, potência tão marcante na poiesis ritualística, quase litúrgica, de Morgana. Sua natureza arisca risca a palavra e se arrisca no desejo. Ela ousa pintar as cores do cerrado com os tons primordiais de suas raízes do sertão, veredas e encruzilhadas irremediáveis do sentir e do pensar, subjacentes nas nossas travessias existenciais. Seu caminho é uma cartografia de meridianos tortos como as árvores do cerrado, ecoando em espirais da Bahia a Goiás, a lira de Morgana insurge em contratempos fabulados. A cidade de pedra por trás da serra guarda o choro de Pirene como um silente aboio.
Aqui se alinham o cabelo rosa da menina com asas de vento e um ponto de esquerda firmado com um ebó na Rua Direita, denunciado em um bilhete às vozes imemoriais do passado, mensagem a uma dimensão do tempo que nunca para de ser, a incessante polifonia dos aedos, estatuto ontológico do humano. Canto, logo existo. Mas há também nesse canto o silêncio da sereia, feitiço duplamente mais poderoso. A estética peripatética da poesia pirilampa é quase uma dança, cujas formas do saber_se acontecem em um só andar, só, em multidão de multiplicidades, devir-mulher, sangrando suas dores e prazeres, a_colhendo incertezas na partilha do sensível. Na sua busca de acalanto para o desassossego, na penumbra entre luz e sombra, entre brumas e trovões, ela anuncia seus ritmos: “entre o doce e o salgado, a diferença é de movimento”.
Este livro é feito de outridades, um convite a uma jornada para os desentendidos, os que não temem os riscos entre o dito e o não dito, os que sabem que toda palavra é maculada de silêncios, aqueles para quem a poesia é sempre a melhor das realidades.
Andros Anderson