_sobre este livro
Em seu poema Meditação para Bashô, Max Martins observa sua “Solitária pedra-silêncio” em uma forma que avança e recua, que examina a superfície e rompe o silêncio denso através da cigarra:
A cigarra penetra o silêncio A voz / A voz solitária A pedra O templo A cigarra / O templo A cigarra penetra o silêncio: A voz solitária // A voz solitária A pedra O templo a cigarra penetra / A cigarra penetra o silêncio: A voz solitária / Solitária pedra: O templo A cigarra / penetra o silêncio: A voz
O texto de André Villani também oscila e explora superfície e interior, concreto e sensível. Mas em O Tempo para Cartografar — seu livro de estreia, ao contrário de Max, André examina as bordas de um objeto que por dentro é poeira, gás, partículas em suspensão.
Constrói as bordas e tudo o que cabe no entorno — a casa, a família, o chão, os barcos e as formas de um corpo caracol. Desenha mapas que começam no deque do jardim e terminam em uma poesia diversa, que procura sua forma com afinco e emerge potente, porque ao cartografar a borda o que desenha é o vazio.
Não a casa, mas o quarto de entulho; não o quadro, mas o anteparo de vidro que o reflete. Não o barco, mas as velas infladas de ar e o ar que infla as velas, a distância de um para si mesmo: 1,5 metro. A distância que se escolhe intransponível e a matéria de que é feita a distância — as paixões vistas com exatidão. Ao dizer “algo de certo nas vísceras do corpo” André ao mesmo tempo fala e evita falar sobre algo de errado no mais involuntário de si: as vísceras cujo sangue não se vê, cuja dor é lancinante, mas difícil de localizar.
A poesia que resulta desse exercício tem sua própria medida entre o exato e a paixão. Reduz o terreno a linhas e por fim as ignora, pisa sobre a areia. Mede cada palmo, ata o nó que segura a âncora, depois desata. Deriva, como os pés que “(…) NÃO TOCAM / nem de longe e nem de perto / o chão ao lado da cama”. Deriva no mar, na montanha, no mundo todo rasgado ao meio. “vai, vem”.
Mas é que O tempo para cartografar não mede cada palmo de terra. Mede os anteparos, palmos de ar, as distâncias vazias, “(…) o azul / longilíneo mar fechado / rasgando o mundo todo / ao meio”. André mede o contorno, até perceber que o contorno é fluido, desenhar no interior a cavidade, constatar que o centro é um redemoinho e que tudo em volta é mar, falta d’água, pura falta.
Eliza Caetan