O poema gira
Liguem o Atari, o Playmobil. Andem de skate, saiam em um rolê de pixo pelas quebradas, folheiem os mangás. Escrevam um poema para apresentar na escola. A mãe adormece assistindo à Hebe, e os guris fazem a festa; mas a mãe também é serial-killer (e o pai é drag-queen). Deixem escapar um pum poético, fumem um fininho enrolado em uma folha do Novo Testamento e girem girem girem até tudo ficar Jiraiya.
Assim é este livro de poemas do escritor Andri Carvão: torvelinho de ideias, de imagens, de palavras, “cacos do caos”, como um aprendiz de feiticeiro zapeando as TVs e as vidas. Imagens de Becket em um caixa eletrônico, de um poeta que pede esmola aos mendigos, de um paciente Hesse numa fila de mercado. Tudo ao mesmo tempo aqui e agora, “nebulosas & buracos negros”. As imagens e palavras se sucedem vertiginosamente como os duzentos cartuchos de jogos, como a Barbie de mil-e-uma fantasias (não poderia faltar nestes tempos esquisitos a Barbie fascistinha), como os revolucionários de breja nos botecos, como as goteiras ruidosas sobre os guarda-chuvas dos cidadãos de bem, como os personagens drummondianos poliamorosos, como os piercings em lugares inusitados, como os SOCK!, os POW!, os WHAP!, os BUM!!!
Os poemas leves e musicais grudam em minha cabeça como memes; sua simplicidade não é superficialidade e sim uma pureza infantil que leva a um universo zen, como o monge que medita toda uma vida contemplando uma pedra. “Quando eu crescer/eu quero ser uma nuvem de pedra”, escreve em seu dever de casa o alter-ego de Andri, Maicon, aluno da 5ª Série B. Em outros poemas já é a voz do adolescente, do blogueiro, é o garoto que anda de skate, que tem medo de cadeira de balanço. E que sabe na pele que nas periferias da vida “o céu desaba lá fora”.
“Minha sombra me arrasta”, escreve o skatista que virou poeta e quis construir uma ponte, pulou as preliminares, mas também não bate palma para loucos. “Rock pauleira, rock paulista, não dê bandeira, nunca desista”. Ler e viver os poemas de Andri é isto: resistência.
Jozias Benedicto