Recentemente, a humanidade atingiu a marca de setecentas e cinco milhões de pessoas com sessenta e cinco anos ou mais, segundo o Relatório World Population Prospects da onu, e, o etarismo ― nomenclatura utilizada para indicar o preconceito com a idade ― insiste em caminhar na contramão desta realidade.
Ao velho ― coisa gasta e muito usada ―, costuma-se associar adjetivos que apontam para uma pretensa falha ou inutilidade: a falta de viço, de beleza, de alegria, de saúde, de amor.
Partindo desta premissa, Elisa Ribeiro ousa nos trazer uma dramaturgia alicerçada em avessos. E, no espelho dos olhos que refletem o mar, e a vida, brinda o leitor com a história de um recomeço que, se por um lado poder-se-ia considerar tardio, dada a idade de seus personagens protagonistas, por outro, resulta tão intenso quanto pode ser a paixão de quem se agarra ao último fôlego, quando em um mergulho em apneia.
O Mar em seus olhos, que não à toa foi finalista ao prêmio de Dramaturgia da funarte, é um livro para ser lido, encenado, recriado com uma forte carga imagética na ideação do leitor. Um texto que, com leveza e uma bela dose de humor ― por vezes até ácido ―, mescla temas que se conflitam e complementam: envelhecimento e juventude, aceitação e preconceito, descobertas e esquecimentos, recomeço e finitude.
Vida e morte.
Invisibilidade.
“Consigo ficar invisível sempre que me é conveniente…”, brinca Marina, a protagonista, trazendo à superfície um triste aspecto do tratamento que costuma ser dedicado aos que ingressam a terceira idade. Na cena, um claro exemplo da dualidade que o texto propõe, o leitor poderá flertar com o talento de uma autora que traz para o palco todos os aspectos que compõem o seu trabalho como escritora. Além de arriscar-se no universo da dramaturgia, Elisa também é contista.
E é poeta.
E é na poesia que ela constrói seu farol, e norteia seus diálogos elaborando cenas nas quais o subtexto, os silêncios, os não ditos, podem por vezes expressar muito mais que aquilo que se enxerga na superfície.
Engana-se, porém, quem imagine O mar em seus olhos algo melancólico, longe disto, o espetáculo ― afinal é para isso que dramaturgias são escritas, para se concretizarem enquanto obras encenadas ― é uma história de amor. Uma doce jornada através do oceano, diretamente para as profundezas do coração do leitor.
Boa viagem!
Paula Giannini