_sobre este livro
Há uma frase no Rigveda que Nietzsche utilizou na abertura de seu livro Aurora e que diz o seguinte: “Há muitas auroras que não brilharam ainda” e não pude deixar de me lembrar, enquanto lia essa obra de Daniel Francoy, desta luminosidade que fica sempre à espreita como se buscasse uma rachadura para penetrar. Não significa, de modo algum, que as pessoas que lerem esse livro serão iniciadas em algum tipo de iluminação espiritual, muito embora isso possa acontecer, mas, sim, serão lançadas na experiência mais crua de uma presença diante do cotidiano prismado e alterado pela palavra da poesia. Na aurora de Daniel, “cai a palavra treva, a palavra/ sem frutos que não o dia” e com isso Drummond (uma referência forte e cara ao poeta) pode aparecer na praça XV misturado a cenas domésticas onde se compra gin barato no Carrefour da Via Norte.
As aberturas que o poeta de Ribeirão Preto cria nos dias são características de uma poesia que já é madura e que revela maestria com as imagens e o ritmo. Assim, “ter o Ganges represado/ dentro do peito raso” é uma das sensações que o poema “O Tempo Estéril” deixa a quem se ocupa da arte da escrita. Muito se fala sobre o escrever, mas quase ninguém deixa entrever, na poesia, os resultados de uma reflexão sem que isso se torne um conjunto de sentenças intelectuais recortadas de lugares-comuns. Neste livro, pode-se perceber que o autor se debruça sobre o sentido do que é escrever, mas jamais deixa que essa busca se sobreponha à intuição original da arte criativa ou, ainda, que ela seja afogada pela convicção de ter descoberto fórmulas pessoais. Fala, então, de amor, da morte, da madrugada, da chuva, da política, de tornar-se um homem, etc., porém, de uma tal maneira que não se é enxertado pelo óbvio, mas pela revelação de que tudo isso existe. Assim, os poemas passam a nos habitar e a ensinar modos de ser no mundo que antes estavam esquecidos ou coagulados pelo tédio e pelo cinismo contemporâneo.
Talvez a característica principal de sua poesia seja justamente essa capacidade de des-velar o que é o mais próximo de nós, de nos abrir para o que está presente na intimidade e nas coisas que nos circundam, sem perder a dimensão de que isso tudo é ainda mundo. Não um mundo apenas de frases de outdoor e panfletos, mas um mundo onde as palavras ainda podem inaugurar modos de sentido, de revelação e transformação.
Daniel Francoy é, ainda que esse rótulo seja usado para muitas pessoas que apenas balbuciam versos, um poeta. Como ele mesmo diz: “Não acredito na poesia/ como algo que me transcende./ É, antes, a ressonância/ da dor que me foi legada/ por caber em meu próprio corpo”. Não é essa a percepção mais essencial, a de que há uma única ferida e que dela nascem palavras que são pássaros, violinistas, cinzas, um passeio de carro e o Ganges?
Augusto Meneghin