Faz sentido o teatro? Faz sentido escrever teatro? O teatro escrito é uma tentativa de teatro, não o é, ainda. Mesmo os clássicos da dramaturgia são espinhos cravados na pata do leão à espera de um Jerónimo, mais ou menos santo; à espera da perplexidade, da revelação e da plenitude efémera. O texto de teatro será teatro, talvez, um dia, uma hora, um instante, um ato, ou cinco atos. Será e não será. Viverá entre o oblívio e a memória; como um desejo na mente iludida, um feitiço, ou uma incumbência do acaso. O acaso que junta as pessoas, que as divide, que as torna como que acesas, pelo bater das palmas, pelo despertar da atenção. O teatro da Laura Silva tem essa qualidade do experimento, do sair fora das fronteiras habituais; de se colocar fora do óbvio, do evidente, para observar; para mastigar, para digerir e, porventura, sarar, lamber ou ainda, oferecer, partilhar, recolher e reciclar. Não se trata de um teatro imediato, de um teatro afeito ao mediatismo e à pressa; precisa de tempo. Tem uma ecologia própria. Precisa de atores, precisa de palcos; precisa do ensaio, do pathos; da convivência intensa e apaixonada do ensaio; do processo, da preparação para o espectáculo, do próprio espetáculo, quando se apresenta, brilhante ou baço. O teatro de Laura Silva tem muito dessa devoção pelo teatro, pela crença no teatro, não tanto como um meio salvífico, mas mais como uma prova de vida, uma prova de engajamento e de pudor. A Laura escreve e dirige, codirige, interpreta e, sobretudo, partilha, discute, avança e recua, no seu laboratório, com os seus companheiros, da companhia Parada de Elefantes. Os elefantes são bichos pesados e a escrita da Laura tem peso, é palavrosa porque memorial; tem muito para dar e muito de onde se pode retirar; como se sobrepusesse camadas sobre camadas, alvitrando uma espécie de arqueologia de si, ao cuidado do leitor, do ator ou do espetador. Trata-se de uma escrita aberta e prenhe; uma gravidez verbal, que diz e não diz, que se quer útil e manobrável. Mas, também, preciosamente, inútil, como uma joia de que se precisa; que a vaidade, como o sal da terra, pode ser a sedução com malícia bastante. É portanto uma escrita avessa àquilo que poderiam ser as manobras fulgurantes de uma juventude atrevida; a Laura Silva não quer ser jovem, nem imbecil, provavelmente não sabe o que quer, e se o sabe, diverte-se com o assunto sem lhe dar importância; assenta-lhe bem a palavra compromisso, como qualquer coisa de duradouro e de confiável, que permite pensar que, independentemente, de maior ou menor sucesso, da sorte, azar, ou coisa nenhuma, a Laura Silva e a sua Parada de Elefantes estão aí para fazer estragos. E agora? Que a ágora se abra ao futuro.
Carlos J. Pessoa