Quinze textos breves compõem este livro de estreia de Monalisa Bomfim. O designativo “textos” ajuda a contornar a dificuldade em circunscrevê-los em único gênero literário, já que se trata de uma reunião de contos e poemas. Mal escrevo isso e me parece desajustada a palavra “reunião”, que poderia dar a entender, equivocadamente, que os textos aí estão de modo aleatório, único fio a atá-los a sucessão das páginas impressas. O que ocorre é bem diferente disso. Explico-me: são textos que se enredam mutuamente, que fazem eco uns aos outros, seja temática, seja formalmente — e isso sem prejuízo de sua diversidade. A essa força centrípeta não escapam nem mesmo as epígrafes escolhidas a dedo pela autora: outros tantos textos, apropriados e chamados a dialogar com esse universo de personagens mulheres que de diferentes maneiras se mostram abertas para a vida, para o amor e para a morte.
É desse enredamento que resulta talvez o mais notável aspecto do livro, a maneira como vida, amor e morte são tratados sem hierarquizações benevolentes ou oposições maniqueístas, em favor de um olhar que desvela como, no quinhão de existência de cada uma das personagens — e de cada um de nós —, vida, amor e morte estão imbricados e implicados mutuamente. Se isso parece um truísmo, nem sempre é fácil encontrar boas representações literárias dessa complexidade que faz deslizar a vida para dentro da morte, o amor para dentro da vida, a morte para dentro do amor e assim sucessivamente em combinações cada vez mais improváveis e verdadeiras. Veja-se, por exemplo, o desvelo amoroso da guardiã, em conto do mesmo nome; ou a força anímica da flor que desponta teimosa do cimento, despertando o impulso mortífero até de quem só soube, ao longo da vida, cultivar; ou ainda o cuidado metódico da personagem que planeja cuidadosamente o momento mais extraordinário da sua vida, ainda que saiba que ele também será engolfado pela vida ordinária.
É assim que fui sendo levada de texto em texto até a última página do livro: sem coragem de quebrar os elos que os atam, curiosa para entender de que forma a autora daria a ver os deslizamentos de aspectos da vida humana que, de tão sutis, quase nunca são captáveis, senão pelo olhar artístico e literário. Ao fechar o livro, permaneceu aquela satisfação intranquila que nos reserva a literatura digna desse nome.
Rejane Rocha