NEGRO SILÊNCIO (uma série a partir da obra de Rui Chafes)

Disponibilidade: Brasil/Europa

urge demolir a construção
armadilhar a casa
contra a óbvia domiciliação
desdobrar portas e janelas
suturar os sonho

R$45,00

_sobre este livro

_sobre este livro

Quando do negro baço nasce a luz…

Negro Silêncio apresenta-se como uma poesia assumidamente devedora do contacto íntimo com a obra escultórica de Rui Chafes – logo no título –, mas sem que isso se traduza em réplicas poéticas desta ou daquela obra, nem na prática «ecfrástica» de um discurso sobre um objecto que lhe é exterior, como a encontramos numa já longa tradição da poesia portuguesa contemporânea, pelo menos desde as Metamotfoses de Jorga de Sena. Aqui, a Obra do escultor (mais o seu espírito do que a sua matéria) vai sendo absorvida e integrada no próprio corpo do poema – nos motivos que discretamente vão espreitando, na conivência e convergência de um modo de ler o mundo, com a inevitável opacidade desse espaço de vida activa, hoje alucinadamente activa, onde tudo «sempre esteve errado» (Rui Chafes).

A esse «escuro labirinto» contrapõe esta poesia exercícios poéticos que, como a prática artística de Rui Chafes, tendem a suprir o vazio e a não-existência dos objectos do mundo. E fá-lo com recurso a imagens recorrentes em que dominam – uma vez mais em claro paralelo com o magma escultórico de Chafes – o silêncio e a luz, a atenção às coisas e a introspecção, a progressiva rarefacção do Eu que se retira e esfuma para deixar falar o pensamento ou o peso da palavra ou da imagem que se destacam, remetendo para os contra-mundos que verdadeiramente contam.

O poema sabe, desde início, que «urge demolir a construção» falaciosa do mundo, para «depois deixar o silêncio falar» e «inaugurar uma casa em constante mutação». E assim cada poema, na sua pulsão imagética e na sua densidade mental, se constitui numa espécie de programa-sem-Eu para uma leitura do mundo actual na sua «dissolução mediática». O perfil que os poemas dele traçam pode resumir-se nas linhas: «na hemorragia do seu discurso / grandes declarações foram feitas / sem nada dizer».

Era já assim no livro anterior de Pedro Loureiro, Astigmatismo ou Redenção. É visível já aí a via de um projecto radical, que se continua em Negro Silêncio (aqui sempre com a sombra de Rui Chafes por perto) e que pretende, como o escultor, reencontrar as raízes da criação num tempo que cultiva o jogo sem consequências, o simulacro e o cinismo. Pro-jecto, é-o esta poesia no sentido que ao termo deram os Românticos alemães (tão caros a Rui Chafes), nomeadamente Friedrich Schlegel: «o gérmen subjectivo de um objecto em devir», «um fragmento de futuro». Nada de definitivo, portanto, mas com um substrato de promessa em cada linha, como parece evidenciar o belo poema que fecha o livro. Com a plena consciência de que cada obra é talvez apenas a «máscara mortuária da sua intuição ou Ideia», um projecto em devir, como o da própria poesia para os Românticos. Ou uma inquirição permanente sobre o estado do mundo e os modos de nele estar, como parece ser mais o caso aqui. Nos dois livros do autor até agora escritos, é esse, e não o do fait divers pessoal em transfigurações mais ou menos felizes, o caminho seguido. E procurar ler um tempo, auscultar uma época pela poesia e com a poesia, é tarefa exigente e rara em tempos de hedonismo cego ou de poesia meramente descritiva, sem que a descrição se amplifique a uma dimensão maior.

Com Negro Silêncio estamos perante uma poesia do desencanto do mundo, visto como coisa fosca e tosca, sem redenção possível («Não há absolvição / apenas a ilusão de um recomeço», lemos no livro anterior a este). Quase apetece sofrer de astigmatismo, para ver o mundo desfocado (já numa peça do italiano Ugo Betti, O Jogador, o protagnista dizia: «Prefiro o nevoeiro: vê-se um pouco menos do mundo»!). Mas o poema sabe dessa pan-hipocrisíade global, desse «como se» do mundo – como se nele tudo estivesse em ordem. E o seu papel é o de desfazer essa ilusão; a sua arma, como acontece neste livro, é a de uma lucidez que constantemente o faz «emprenhar de espanto». Também a voz esculpida de Rui Chafes se não cansa de nos alertar para a banalidade e a dessacralização, a incapacidade de espanto, a que chegou a ponta crepuscular de uma época como a nossa, em que o cinismo e o mercantilismo imperam e o pensamento – como antes escreveu outro poeta da diferença, Fernando Guerreiro – já só «vai / buscar as imagens ao fundo / lodoso do túmulo».

Diferentes são os atalhos por onde se aventura este livro de Pedro Loureiro, desde as epígrafes que o inauguram. Com Rui Chafes, ele sabe que «é a poesia que tende a suprir o vazio…» (e o ruído do mundo). Com Llansol, aprende que o texto é, entre tantas outras coisas, o receptáculo do silêncio. Nas entrelinhas da poesia de Pedro Loureiro sente-se a presença do vazio pleno que responde à vacuidade borbulhante da ágora mundana. Aí, contra a «hemorragia de palavras», sentimos que «no negro baço / somos pura luz», e ouvimos «retinir um silêncio / que tudo vê / como um passado no corpo / uma cesura oculta / no ponto mais obscuro da palavra».

É para a luz desse ponto obscuro que parecem orientar-se os poemas deste livro. Neles, como sobre outros escreveu esse mentor e guia de Rui Chafes que foi Novalis, «as palavras entram em movimentos livres reveladores da alma do mundo, que as transformam em delicada medida e desenho das coisas».

João Barrento

 

_outras informações

isbn:978-65-87076-12-6
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 12 x 16cm
páginas: 56
papel: pólen 90 gramas
ano de edição: 2020
edição: 1ª edição

Carrinho

Cart is empty

Subtotal
R$0.00
0