Você está em minha frente, me dá a mão e vamos andar. Quando andamos juntos e conversamos e nos escutamos, somos capazes de perceber o som das nossas vozes em contraste com o que acontece por perto. Percebemos o peito acompanhar um novo ritmo, mais rápido, não urgente, só mais rápido, um pouco eufórico, sim, da alegria de saber que as palavras aparecendo são aquelas que queremos.
Você está em minha frente, me passa os baldes com o sangue renovado, ouvimos o som da queda, espontânea, como se cair não fosse ser empurrado, como se cair fosse só esfregar a cara no chão.
Você está em minha frente e começo a tirar da boca todas as imagens que escolhi. Estamos andando. Tudo aqui é caminho, mesmo que comece na terra, vá para o céu e termine na água, sublimado, submerso, contemplado como quem encontra um amigo dormindo no fundo do mar. O que é um caminho? Você parece perguntar o dia inteiro. Descaminho, pecado, túneis, ruas sem saída, labirintos, pais e filhos, o próximo início, asfalto, valeta, pedalo, canso, estaciono.
Você está em minha frente e não quer que eu me afogue com todas as imagens que preciso tirar de mim. Apesar das palavras atenção e concentração, hoje é só você.
Não vou acabar com todas as imagens, vou ficar com algumas, como vai acontecer com todo mundo que passar por aqui.
Você está em minha frente e você escreve. Tem fé na escrita porque vê anjos, mortos e procurados, vivos e procurados. Vê anjos e é pelo amor, pelo real que se vê, e é pelo amor, pelo corpo estirado, parado, que se escreve. Do amor, gritou-se o escândalo, do churrasco, a voz da consciência nacional e com paciência e obstinação você anda, manipula o papel machê mais de uma vez e cria o que só você pode criar.
Veja, amanhã já chegou.
Tudo cresceu no meio da morte e da vida e os meninos ainda parecem correr. Como quem entope a desgraça com alegria, você está em minha frente e o sempre é um único instante possível, a possibilidade, a chance de deus, o registro da vulnerabilidade de quem escreve e tateia, alucina e gira. O registro de quem diz amém para a escrita.
Jessica Stori