“A noite não adormece nos olhos das mulheres”
Há um texto da escritora Conceição Evaristo. Chama-se “A noite não adormece nos olhos das mulheres”. É um poema que não me deixa dormir, escrito por ela em homenagem à historiadora, roteirista e poeta Beatriz Nascimento. Duas forças que nos atravessam com o poder convocatório que só a poesia encarnada é capaz de fazer. Essas duas mulheres são assim. Escrevo aqui pensando no encontro entre mulheres em atos criadores. São tantos, inclusive invisíveis, do tipo que permitem que o mundo continue existindo. Não precisamos gritar, embora possamos. Nós agimos. Tem sido assim. Realizamos, nós mesmas, entre nós, mas servindo ao coletivo. Há alguns anos, fui convidada para falar em um evento chamado ZONA lê dramaturgas, organizado pela dramaturga Maria Giulia Pinheiro. Ali, conheci colegas e fiz amigas. Tratava-se de um evento com dramaturgas falando sobre seus processos de criação. Algo tão raro, que todas realizamos falas entusiasmadas. Não porque não falássemos antes, mas daquela vez, veja só, a sensação era de que, finalmente, estavam mesmo nos ouvindo. Depois que você conquista a sua voz pública, não consegue parar de falar. Porque ouvimos muito, há milênios estamos ouvindo e falando sem escuta, mas sem perder o ânimo. Aparentemente, este livro apresenta os trabalhos de um Núcleo de Dramaturgia Feminista INDEPENDENTE, que reúne mulheres com o objetivo de ler, debater, refletir e criar dramaturgias. Mas, na verdade, esse núcleo é uma incubadora de vozes públicas. Porque nascer sem dor é quase impossível, por isso um ambiente acolhedor e amorosamente rigoroso se faz imprescindível. Intuo que esse Núcleo seja assim. Audre Lorde, uma das autoras estudadas por elas, nos lembra que “o silêncio não vai nos proteger”. Por isso, estes textos aqui presentes são uma espécie de Caixa de Pandora aberta em pleno século XXI, em que a esperança, de fato, pode ser o grande mal liberto, uma vez que o excesso de positivismo também mata. Por isso, é importante ler dramaturgia, textos criados a partir de um exercício de encontro com outras forças, tabus, segredos, malefícios, mentiras que sempre esconderam grandes verdades. Há lugares onde a fragilidade constrói força. A escrita é um deles. Que possamos ouvir estas vozes, cientes da importância do lugar que elas criam. Ouçamos. Falemos.
Dione Carlos