cê escreve então
escrevo
e escreve qual fita?
depende do dia do sono
boto fé
e tu?
e eu o que?
faz qual quando não tá puxando carroça?
tenho dois trampo tamém
R$45,00
_sobre este livro
Poucos dias antes de que o livro fosse entregado pra editora, eu liguei pro Richard e perguntei por que ele queria que eu escrevesse a orelha. Quando me convidou, ele fez menção ao meu trampo no jornal, disse que era político, mas depois que eu li Maratonistas do Quênia, fiquei me perguntando se cabia a uma mina branca arquitetar um textão político pra apresentar um apanhado de poemas que falam tanto de racismo. Ele me respondeu entre suas habituais pausas de cigarro: lembrou que a gente corre junto há mais de uma década; lembrou do dia que acordou cedo pra escrever um poema e eu falei que então era sério, ele era escritor mesmo; lembrou que volta e meia saía da minha casa achando que tinha que esquecer das próprias lutas pra lutar as minhas, mas depois entendia que tamo junto pra caralho. Faz tanto tempo que as nossas narrativas se cruzam que ficaram quase indissociáveis: a história de um também é um pouco a do outro. O nosso lance sempre foi sobre diálogo.
Eu e o Richard nos conhecemos trampando na mesma rádio – um estudiozinho dois por dois de repartição pública onde cada um tocava um turno por setecentos trocados. Dois bolsistas de faculdade cara tentando bancar a passagem do ônibus. O resto eu investia em roupas de loja de departamento que me garantissem o mínimo de passabilidade. Ainda nutria a ilusão de que podia me misturar; ele nem tentava. Tava sempre meio azedo porque tinha virado a noite fazendo taxa no bar. Eu chegava depois do almoço e não gostava do cheiro de marmita que ele deixava na memória das espumas acústicas. Ele retrucava que cheiro de comida era cheiro bom e se alongava um pouco mais.
“Escrevi uma parada. Quer ler? Fecha a porta pra gente ouvir Seu Jorge no talo. Conheci um maluco chamado Gabriel García Márquez.”
Se as orelhas servem pra apresentar o escritor e sua obra ao leitor, acho que tô em casa. Existe algo de familiar em apresentar o Richard às pessoas, então abro uma cerveja e me ajeito aqui no meio-fio pra te falar: o livro que você tem em mãos foi escrito nas horas que ousaram chamar de inúteis, por uma pessoa cuja existência é política como são políticas todas as existências sustentadas à marmita de arroz e feijão ao meio-dia. Maratonistas do Quênia é generoso porque dá a letra e não cobra respostas. De uma linha pra outra, é manhã de São Silvestre e você quer saber por que são as pernas pretas que correm mais rápido. Cá entre nós: isso acontece porque, por motivos similares, as sinapses do autor têm a mesma agilidade.
Jess Carvalho
_outras informações
isbn: 978-65-5900-101-9
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 14x19,5cm
páginas: 52 páginas
papel: pólen 90 gramas
ano de edição: 2021
edição: 1ª