Desde que o homem entendeu sua finitude, vencer a morte é, talvez, a batalha que trava com mais intensidade, uma luta que perdura pelo tempo e se espraia nos mais variados campos. Alguns dedicam-se à busca do corpo imortal, missão, ao que tudo indica, natimorta. Contudo, ao que parece, alguns encontraram uma maneira de imortalidade: os que escrevem. Estes, por sua vez, embrenham-se por veredas muito próprias: alguns registram a vida tal qual ela é (variando no grau de crueza), outros fantasiam e dão vida a sujeitos que nunca existiram, mas que passam a ocupar este mesmo mundo que habitamos; outros ainda misturam vida e fantasia de maneira que o nosso cotidiano banal ganha a possibilidade de, não mais que de repente, ao virar uma esquina, se deparar com fantasmas, árvores que andam, homens que viram pássaros, etc. Por fim, existem aqueles que, crentes em uma metafísica qualquer, entendem que a única imortalidade possível (mesmo para os que escrevem) é a da alma e, assim, buscam, enquanto dura a energia do corpo, transpô-la em suas palavras. Para isso, alguns buscam a forma rígida das rimas e dos decassílabos, outros buscam a dança possível entre o signo-palavra e o suporte-página, outros se deixam simplesmente fluir de si para o papel. Assim é Andressa Lameu em seu livro de estreia.
Manante é uma palavra cuja origem está no latim e que dá conta daquilo que escorre, que mana, que flui… como as palavras-imagens-ideias que se encontram nas páginas deste volume. (Pensei em dizer se organizam, mas organizar não é uma expressão que contemple a experiência de escrita e leitura deste livro; tampouco a palavra encontrar está aqui como sinônimo de achar, mas no sentido do encontro mesmo, como o das águas.) As palavras se tocam, se repelem, se afastam, encontram outras; de cada encontro nasce um novo sentido e, por fim, as palavras nos encontram, leitores, e tocam nossas línguas, percorrem nossos cérebros, veias, os campos ocos dos nossos corpos. Como a água, que caça todos os caminhos possíveis para seguir seu fluxo ao encontro de, Lameu vai se imiscuindo em nós a cada leitura, garantindo a imortalidade de sua alma, que está nestas páginas que devem ser lidas — atenção! — como quem lê o mais íntimo dos diários, o mais profundo dos segredos. Afinal — vocês verão! — a sensação é que estamos lendo algo que nós escrevemos (talvez porque ela já se lance pra dentro de nós assim que lemos “entre a hesitação do primeiro gole de café e a fuga para o litoral”).
Jefferson Almeida