Felisberto

Disponibilidade: Brasil

Gozei em cima
de um morro de
grandes calmas.
Bora noss’alma
tijésse pousada
na palma, mão,
vez-vez a calma
desvém assim,
liqui-e-feita,
liqui-e-certa,
na lembrança
as altas sombras

R$45,00

_sobre este livro

Fazia tempo que a ideia de escrever um poema narrativo me acompanhava. Talvez essa ideia tenha sido alimentada por um sentimento de espanto e deslumbramento, surgido na infância, o de ficar seduzido pelos cantos da oralidade. Meu pai frequentava semanalmente as feiras populares de Natal: Alecrim, Quintas, Rocas, Carrasco, Santos Reis e Cidade da Esperança. Ele quase sempre me levava junto, e não era incomum que ali se apresentassem repentistas, violeiros, rabequeiros e emboladores de coco. Em certas ocasiões, ouvíamos poetas populares lendo seus folhetos de Cordel e meu pai gostava muito daquelas audições. Em minha lembrança, ficávamos dando mais atenção aos versos do que comprando frutas e verduras. Nessas feiras, ouvi pela primeira vez as palavras “poeta-repentista”, “Cordel”, e entendi que proferiam “desafios”, “emboladas” e improvisavam,  inventavam, mentiam com consentimento público, brincando de narrar palavras cantadas. Na maioria das vezes, eram momentos alegres, o povo ria e se divertia. Hoje, procuro esmiuçar cada uma das cenas. Para ouvir os versos, era preciso parar com as compras, aproximar-se, posicionar-se em um lugar estratégico e depor as sacolas no chão. A teatralidade singela e circular era dotada de gestos próprios: às vezes o povo propunha temas, “motes”, e me lembro de meu pai dar umas moedas em troca dos versos de um violeiro. Depois, em casa, nos restaurantes ou entre os amigos, meu pai repetia as histórias ouvidas nas feiras, recontando-as, reinventando-as. Na adolescência, recordo-o entre os pescadores da praia de Pirangi do Norte, ouvindo e refazendo as histórias-e-poemas. Assim foi que narrativas-e-versos povoaram a minha infância e juventude. Na memória de meu pai, essas cantorias se transformavam em novas versões. De algum modo, elas persistiam, duravam, sobreviviam ao tempo e à passagem dos anos. Ainda na juventude, surgiram outras vozes. Agora eram as palavras dos livros: o Bhagavad Gita (século IV a.C.); Eclesiastes, atribuído a Salomão; A divina comédia, de Dante Alighieri; Orlando furioso, de Ludovico Ariosto; Os lusíadas, de Luís de Camões e Altazor o el viaje en paracaída, de Vicente Huidobro… Nenhum outro poema narrativo, contudo, me impactou mais do que o Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa. Desde 2011, retomei-o em concentrados, longos e ininterruptos estudos. Suas releituras produziam a sensação de que eu precisava brincar — uma vez mais —, inventar infâncias. A voz de Riobaldo abriu a lembrança e trouxe os sons dos poetas populares das feiras livres e dos narradores da juventude. Assim, no Algarve, em maio de 2021, embalado de alegria e sossego,  como um raio, surgiu Felizberto. Já no Brasil, o poema foi retomado outras três vezes, mas muito pouco mudou da primeira versão. Numa dessas retomadas, incluí também personagens do conto “O recado do morro”. Por tudo isso, dedico este livro a João V. Silva (in memoriam), meu pai.

_outras informações

isbn: 978-65-5900-192-7
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 14x19,5cm
páginas: 56 páginas
papel polén gold 90g
ano de edição: 2022
edição: 1ª

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