A poesia deste livro de Anielson Ribeiro é um rastro que se faz “em direção ao chão onde piso e sou”. Você é convidado a segui-lo, mas saiba, desde agora, que nem o poeta nem o leitor chegarão lá. Visto por um prisma cartográfico, desabrigo trata dessa condição que enreda o homem contemporâneo seja ele quem for, nacional ou estrangeiro, nômade ou sedentário: a incômoda sensação de nunca estar em casa. Se William Carlos Williams, em Paterson, procurou falar de uma cidade como “alguma coisa mais perto de casa”, aqui Anielson fala da casa como cidade e da cidade como casa, fazendo implicar nesse jogo o sentido de uma cidadania nunca alcançada.
A sensação de exílio e desamparo percorre o espaço-tempo deste conjunto de poemas. Não se escapa da solidão do aqui-agora nem da incerteza e insegurança em relação ao presente e ao futuro: “e nosso futuro jaz perdido em lugar-nenhum”; “quando tudo isso acabar…/ainda não saberei nomear minha época”; “sinto que estou numa cela/do tamanho da europa”.
Mas a angústia maior, nestes poemas, talvez seja a do forasteiro em sua própria terra. Um desabrigado que viveu aquela experiência referida por Walter Benjamin: “há uma coisa que não tem reparação possível: ter deixado passar a oportunidade de fugir da casa dos pais”. Para onde ir? Alguns poemas sugerem a infância como única casa habitável. Mas ela, claro, não pode ser recuperada. Ainda assim, a infância reaparece, e, em determinado momento, o poeta é salvo pelo “barulho/de crianças num sábado de manhã”.
Persiste, porém, um mundo ou uma civilização que parece não aprender com seus erros, que não avança: “berlim continua dividida”. Frente a essa dura realidade, mesmo quando o poeta revela algum momento de otimismo, trata-se de um otimismo marcado pela ironia, como no poema “agora levante seus olhos”. Porém, diante de um cenário global tão pessimista, mais do que atacar os infortúnios da atual condição humana, me parece que o poeta pretende mesmo é defender “a liberdade de mudar de céu”, como queria Robert Desnos. Pois, “há sempre brechas/toda estrutura é constituída também com falhas/até mesmo a sintaxe, a alegria”. Talvez seja possível encontrar alguma felicidade, mesmo nas cidades. Talvez em Juazeiro ou Petrolina. Além disso, se “a linguagem é a casa do Ser”, como setencia Heidegger, citado numa epígrafe, Anielson Ribeiro nos faz pensar que talvez a poesia seja o abrigo que nos resta.
Eleazar Carrias