Cena 1 — Eu estou na fotografia? Eu estou dentro ou fora dela? Francesca Woodman faz essa pergunta e completa: Eu posso ser um fantasma, um animal ou um corpo morto e não apenas uma garota parada em um canto*.
Cena 2 — Thiago Ponce de Moraes, por sua vez, parece devolver a pergunta: Você está na fotografia? Você está dentro ou fora dela?
Cena 3 — Você não pode me ver de onde eu me vejo, Francesca atiça.
O que o olhar do poeta capta em uma série de fotografias de Woodman e que se transmuta neste Espacelamentos é talvez menos a busca de alguma resposta exata para essas provocações e mais a constatação de uma marca selvagem da morte e do fragmentário na animalidade dos corpos e existências femininos. E algo mais. Talvez a investigação de uma existência simultaneamente semelhante e dissemelhante, um corpo que, embora corpo, em sua corporeidade, é também vazio, espaço e esfacelamento no encontro (amoroso) com o outro. Um encontro que é sempre marcado também pelo desencontro, pelo movimento, por aquilo que não tem como coincidir. Um corpo que é cisão e reorganização. Bicho, floresta, o espelho fraturado do amor. E eis toda a riqueza.
Mas, para além disso, para além de uma marca poética em alta rotação de significados, é preciso dizer que este encontro, que aqui chamamos de livro, é um artefato. A voz poética entrelaça o visível/invisível que está à flor da pele nas fotografias, e ainda congrega a elas os mapas sensíveis dos desenhos de Priscilla Menezes e segue compondo uma cartografia poderosamente afetiva e instável, que não explica e nem delimita, mas que propõe a pluralidade, o engastamento de outros rostos, outras espécies, outras vozes. Paisagens outras. Dobras do corpo e do tempo que são, simultaneamente, dúcteis e rijas: como a carne, como o minério, como o voo e o osso. É, pois, um corpo de miragem e de durabilidade que somos convidados a entrever em Espacelamentos. Espelho entre as pernas.
*anotações do diário de Francesca Woodman.
Micheliny Verunschk