exercício de [oito] orelha[s]: como soltar a pássara engaiolada na goela?
abrir os olhos, chorar. alongar o pescoço formando uma meia-lua pra dissolver a areia de dentro. elevar os braços num espreguiçamento, olhar o abismo sem certeza absoluta sobre o funcionamento das penas e saltar. abrir a boca, esticar a língua infinitamente até que se possa sentir o grito entocado na vibração não dada da prega minúscula vocal sendo empurrado pra fora. grunhir, gemer, tecer um som sem pé nem cabeça até que se possa vocalizar o indizível. cantar/pássaras-palavras que voam e voltam pra garganta. prestar atenção para que elas possam sair espontâneas e cuidadosas, acreditando na possibilidade de reparação consigo e com o outro. constantemente aprendendo a viver, vulgo peda[lar]. pedir lar pra mim e pro outro. viver é ação, exercício de ser nesse corpo que habitamos e se movimenta — como pedalar, esticando uma perna e flexionando a outra. esses movimentos coexistem, são mútuos para que seja possível/vingar a palavra, deixando-a sair de dentro como um vômito, como um grito, como algo que nos habita e que tem urgência em sair. fazendo vingar o choro que foi engolido, as partes que foram omitidas por não serem aceitas. as vezes em que fomos invadidas e não pudemos revidar por medo ou falta de espaço. fazendo vingar nossas vontades, nossa potência e luz sem culpa, sem medo e sem pudor/segura a própria mão, sente a pulsação. é no impulso que está o pulso. ímpeto, constância e consistência/é difícil caber na palavra. na gaiola, na goela, o espaço não acomoda — reforça, empoça, sufoca. o pouso tem leveza de peso, só que há sempre um punho de penas escancaradas, escangalhadas por aí/metade do mundo é mulher. a outra veio de dentro delas. pra parir pássaras-palavras, lembra desta fita: enche o pulmão e grita/com um grito de ave de rapina, que ecoa goela acima a maldita herança bendita das mais velhas, que não se dobraram ao estigma. lude freitas nos instiga a soltar a pássara presa na garganta, como quem fisga palavras mortas e prenhes no chão, como quem habita o ordinário, o onírico, e estica sua duração num vórtice temporal de atualização ancestral. mas talvez a pista mais importante que nos deixa é aquela que se dá antes de abrir o livro: entre pássaras — aliança necessária para seguir.
entre as pássaras: giuliana melito, marina caetano, jéssica costa, mariana pelizer, karen lira, luiza barros e carol ferreira.