os próprios fenômenos a própria natureza
te cura
os próprios fenômenos da natureza
me curam as ondas
do mar fazem qualquer coisa na ordem do planeta
que te curam
e me curam de qualquer contratempo ou
intempérie que
o coração de cada um possa
causar em cada um as próprias
frentes frias os próprios ciclones bomba as nuvens
de gafanhotos as nuvens
as sombras
os eclipes ou
o eclipse.
R$45,00
_sobre este livro
Eagle Igor, Eagle Mo, Igor Mozão, Igor em sobrevôo citadino é a águia tropical; a harpia amazônica que plana também nos céus do Pará [de onde emerge o Igor, em toda a sua exuberância]; a ave de rapina planando sob um arpejo eletrônico de technocarimbó. Planando com as asas para trás e o bico cortando o vento, chega a São Paulo e pousa no alto de um prédio da Santa Cecília. Eagle Mo fisga em plongée a cidade, os prédios e os amantes conformados da mesma matéria — pra qual endereço eu envio essa missiva? Onde fica a casa do meu amante? —; a palavra forjada pelo concreto armado que é herança de uma venerável poesia brasileira. Em outro tempo, a arquitetura maciça subtraída de arabescos de Le Corbusier incidiu sobre a antilira cabralina [joão CABRAL de melo neto, o CABRAL que fundou um país porque criou uma língua]. Aqui, no Eagle Mo, mesmo de forma obtusa e violentamente erótica, ela aparece, a máquina de comover, que cria as habitações duras e antilíricas e por isso mesmo arranca de quem as habita o maior e mais derramado lirismo; não é nem Igor, nem Cabral, nem Corbusier, nem o michê do trianon que vão te dar o lirismo embrulhado em celofane. É na brutalidade que se alicia o habitante desses prédios ou desses corpos à produção de poesia. Igor entrega o seu edifício duro e, para o desfrute lírico-erótico, roga colaboração de quem escuta. Igorila King-Kong, em cima do prédio, observa a cidade; embaixo do prédio, em contra-plongeé, engole o prédio, mastiga e cospe de volta. De que jeito eu ou você podemos nos avizinhar desses poemas e dizer coisas sobre uma poesia que infla as palavras, desafia a bidimensionalidade da página e dá volume ao escrito, poesia de arquiteto & pedreiro — endereço certinho — ? Escrita com volume é ter a palavra, a locução, o verso e a estrofe para se esfregar neles, versos superfície cilíndrica de se colar a pélvis contra eles, palavras para nelas passar óleo bronzeador. O leite da pedra. De repente o livro, que é um sobrevoo, agora é um perfurador de britadeira, e não mais que de repente é um trator em alta velocidade ou um rolo compressor (mas o voo da harpia tem também esse brilho). Dunas de cimento, infestação de latinos, autocoroação do homem objeto. Lendo as palavras do Igor é possível, mais ainda do que ouvir a voz dizendo tudo, sentir o respingar da saliva da boca de onde sai essa voz; o som, a textura e o veneno dessa saliva.
Arthur Braganti
_outras informações
isbn: 978-65-5900-374-7
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 14x19,5 cm
páginas: 88 páginas
papel pólen gold 90g
ano de edição: 2022
edição: 1ª