Aos quinze escrevia cartas.
Páginas e páginas em um envelope pardo com selo postal.
Você pode imaginar o espanto
no momento exato em que elas deslizavam pelo chão do meu quarto.
Aos dezoito, meu corpo se deitava na terra
e movia os braços como se fizesse anjinhos barrocos
para coroar Ifigênia.
No fundo da paisagem, os sinos dobravam brincadeira e lamentos.
Eu não sabia latim, mas entendia que era chegada a hora.
Nascer em Minas é como acolher nas juntas a epifania dos santos
o sobrenatural no que cabe entre o dia e a noite
e de repente perceber que, às vezes
é preciso transpor as montanhas e rabiscar as linhas das mãos
para brotar rearranjos.
Hoje, aos trinta
Retiro os metais pesados do plexo, alço voo.
Encontro no mar aberto o milagre do espelho.
No início era a água.
Depois, o gosto de sal no céu da boca, os vestígios do que rasteja, as plantas daninhas a germinar frestas para que ela pudesse nascer livre. Bárbara Bija escreve como quem brinca e lança seu olhar sobre as coisas miúdas, a vida rasteira e aquela que transcorre na altura do voo, para tratar das revoluções humanas. Para isso, dispõe de mapas, cartas de navegação, caracóis, moluscos; evoca os antepassados que chegaram por navio e hastearam o corpo onde o mar não alcança. Ela vai nascer livre é um livro-prece que ora canta o que sobra entre os escombros, ora decreta trégua nos levando a descobertas “não assinaladas pelas bússolas”. Em cada verso, a ciência e a literatura se enroscam e irrompem no corpo a sabedoria do mundo. As quatro partes que compõe o livro são sustentadas pelo processo de recorte e colagem, e emancipam o leitor da ordem, das estradas em linha em reta, mas, antes, nos sugerem em sua lição de geometria, ao menos, quinze fins diferentes. A poesia profetiza o voo, reverencia o limo e o que está abaixo dele. Como em Aviso aos navegantes, respiro fundo para dar conta da imagem.
Bárbara Mançanares