Bárbara pagou excesso de bagagem numa viagem à Europa. Quando abriu as bags, tinha passaporte brasileiro, biquíni brasileiro, livros, um monte de roupas de frio, remédios e um celular sem chip. Ela não sabia, mas, quando saiu do avião, tinha também uma venda tapando os olhos. E somente o povo da nação idealizada poderia tirá-la. E assim esse povo fez. Bárbara tirou le bandeau e viu na expressão alheia um outro jeito de ser brasileira. Nada aqui era surpresa, mas veio alguém e jogou na cara com outras palavras.
Bárbara descobriu que trocou o fascismo à brasileira por outros fascismos. Parece um jeito triste de descobrir, nos 30+, que o sectarismo tá bem on e que privilégio é não ter que entrar em conflito com o relativismo cultural. Mas Bárbara passou por cima disso em uma viagem fora do trajeto Barbieland-Real World, feito pela homônima Bárbara (vulgo Barbie) do blockbuster deste 2023. Fez uma Conversão que não costuma ser justa em muitas cotações. Até era vida real contra vida real, mas de outro jeito.
Ana Cristina Cesar, que veio antes, usou a poesia para reclamar do inverno europeu. Me lembrei dela lendo Bárbara. Ana C. disse: Daqui é mais difícil: país estrangeiro, onde o creme de leite é desconjunturado e a subjetividade se parece com um roubo inicial. Recomendo cautela.
Conversão retoma essa história de muitas formas. A doutora em Filosofia saiu de casa para uma experiência imersiva que envolvia assistir a um homem negro servir uma mulher branca, rica e com as joias reluzindo o ouro que nos roubaram. Tem disso no Brasil desde sempre, Bárbara, mas entendo que essa moldura não cola mais em cultura alguma, nem no Velho Mundo. Fica kitsch-agressivo. É nisso que dá sair de casa pra ver o mundo a olho nu.
Acho que a canção do exílio sempre estará em voga. É aquela novela de Glória Perez que a gente sempre vai gostar de acompanhar: Jade no Marrocos pensou no Brasil; Sol em Miami lembrava de um amor em Boiadeiros. É assim mesmo, a mocinha descansa da luta contra os vilões para mostrar para a gente que tem um amor, família, amigos e perdas.
O livro de estreia de Bárbara Buril tem disso tudo, inclusive uma investigação sobre conversões de outro tipo, em direção a outros regimes de consciência e através de outras espécies animais. Aqui dá para atravessar de diferentes maneiras e, neste caso, sem jet lag.
Allan Nascimento, jornalista