O livro de ficção de estreia de Ronaldo Kirilauskas, Contos Desencantos: Literatura de Ninar & Histórias da Peste, apresenta um rico exercício de imaginação voltada à reflexão sobre nosso cotidiano.
Transitando entre a poesia e o conto, o livro traz sujeitos atormentados pela violência das relações sociais, atentos aos momentos de revelação da violência que se esconde na cordialidade.
O lirismo crítico dos poemas também surge nos contos, como é o caso da narrativa “A salvação da ignorância”: “enfim havia descoberto, entre as obviedades técnicas resultantes da observação do fogo, como o fogo nos observa. Como o fogo é por dentro. Qual a verdadeira alma do fogo. A ciência novamente dava um enorme passo na reconciliação com a igreja”.
Professor de geografia, o autor oferece um bom mapeamento sensível dos trabalhadores e de sua vida cotidiana, revelando afeto por aqueles que não se encaixam, assim como um respeito que dignifica suas escolhas e seus desejos. Veja-se, nesse sentido, a abertura do conto “O preço do pão”, com um trabalhador desempregado que se pensa, reflete sobre sua habilidade com a linguagem e vê a insuficiência do mundo que o submete com uma certa ideologia do trabalho — “Sempre se julgou melhor cronista que trabalhador fabril. Mesmo assim se empenhava”.
Não é fácil, depois da demanda pela experiência de isolamento social e pela vivência da violência estatal que o Brasil presenciou nos últimos anos, querer escrever literatura, menos ainda uma poesia que nos oferte um olhar carinhoso, ainda que exigente.
Veja-se, por fim, este convite de um dos narradores: “Concluí com um certo orgulho poético, embora logo depois viesse a esquecer, que as voltas que o mundo dá separam as pessoas como se essas fossem pedras de dominó mexidas por mãos habilidosas”. Se o mundo separa as pessoas, a literatura mostra essa movimentação — por vezes aleatória e violenta — e nos permite participar do jogo com mais compreensão e com a sensibilidade apurada.
Mônica Gama