Em seu primeiro livro, Aqui onde passa um rio, Betânia Noll traz à baila elementos da natureza — o rio, a mata, os pássaros — para tratar de sentimentos intempestivos, mas seus versos não se limitam a isso. Entre poemas com passagens como “cada dia dói por dois” e “eu sou uma casa pegando fogo”, a autora utiliza um eu lírico saudosista e metalinguístico para articular uma relação com a escrita que tende à fuga e ao refúgio, fazendo-o confessar, ainda, que quer, desesperadamente, ser outro alguém. Esse outro eu, idealizado em seu livro de estreia, é quem parece escrever os poemas da segunda entrada na bibliografia da escritora, o caloroso Até mesmo quando minhas pernas enfraquecem.
Neste livro, a poetisa nos convida a dançar exaltadamente a qualquer momento do dia, a andar de bicicleta em uma noite boêmia e apaixonada e a nos sentir em casa nas mais diversas e adversas circunstâncias. Nele, o amor-próprio, o amor pelo outro e as muitas paixões distribuídas em seus quase 40 poemas nos guiam por um álbum repleto de momentos que nos fazem refletir sobre aceitação e resignação. Essas reflexões, que nos levam aos lugares mais aconchegantes do passado, do presente e, esperançosamente, do futuro, só são possíveis graças à escrita potente e sensível da autora, como nos versos “A vida ficando mais doce,/a gente pegando o jeito das coisas/e as coisas pegando o jeito da gente”.
A dança em Até mesmo quando minhas pernas enfraquecem, inclusive, consigo e com outros, é um elemento central no que diz respeito à aceitação de si e da vida. Os membros estremecidos do título da obra dão lugar a passos certeiros em passagens como “Sou grata por cedo ter tocado/no precioso ato dança movimento/de mergulhar em mim/e me viver” e “Eu danço a dança cósmica do presente:/o amor chega a mim em suas infinitas formas/eu o encontro com meus infinitos sentidos”. Esses versos são, também, convites a serem aceitos quanto a estarmos mais destemidos e dispostos frente à existência, uma postura que parece ter funcionado para o eu lírico, em paz por agora.
Quando a leitura deste livro chegar ao fim, o leitor se pegará com um sorriso no canto da boca, pensativo sobre seus melhores dias — os que passaram e os que estão por vir.
F.K. Bettiol