As putas de Marcela cometem reincidentemente dois crimes do mais alto risco. O primeiro, amar. O segundo, escrever.
São mulheres que amam muito: amam a visão vertiginosa de uma outra mulher sorvendo um drinque azul à beira da piscina, amam a delicadeza da velhice nos olhos do próprio avô, amam a metafísica das lesmas, amam homens que as odeiam, amam outras mulheres através de suas nucas, amam como se tivessem “nascido com uma tesoura entre os dedos” (assim observa uma das narradoras sobre seu objeto de amor). São mulheres que tomam para si o mundo, seja amando, seja roubando, matando ou escrevendo.
Esse amor-tesoura está presente na forma como elas picotam o mundo à sua volta e como o representam nos contos. Através desta observação quase pervertida, as narradoras veem em fragmentos de outros um universo inteiro e se alimentam disso, roubando para si o que viram. Olhar, ou pior, ver é a característica mais importante dos crimes que essas mulheres cometem. E, se a sua visão corta; a escrita, recorta.
São narradoras que ousam desejar e, em alguns dos contos, essa ousadia as faz receber o título de putas, como ocorre com tantas mulheres. O que as conecta, o que as torna putas, não é a alcunha, mas o risco que correm ao quererem conhecer o próprio desejo. Optam pelo arriscadíssimo caminho do pensar livre, pelo menos para uma mulher. “Querer, essa coceira”, diz uma delas.
Já o escrever, presente no título, é uma ação que aparece em sua dimensão cinética. Numa contração quase espasmódica dos músculos da fala, as personagens de As putas escrevem falam a própria história através da voz que a autora as concede, ou seja, criam sua história ao falá-la. Aqui, portanto, a escrita não é apenas o exercício do escritor diante das letras, mas o jorro do pensamento criativo que responde ao olhar voraz das personagens diante do mundo.
Convido leitoras e leitores a penetrarem As putas escrevem como se olhassem escondidos pelo buraco obsceno da fechadura: com a visão, sim, mas com todos os outros sentidos engajados no ato pecaminoso da leitura.
Natália Zuccala